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Os segredos do quinto set

A grande maioria deve lembrar do jogo entre Barcelona e Paris Saint Germain de 2017, em que aos 42 minutos do segundo tempo o time catalão iniciou uma investida mortal, fez três “impossíveis” gols e completou os 6 a 1 necessários para se classificar para a fase seguinte da Copa dos Campeões. 
Esta semana assisti mais uma vez a este capítulo de ouro do esporte.

Se não tivesse tido coragem para se arriscar, confiança para ousar e disciplina para não deixar ambas se transformarem em precipitação, o Barça não teria conseguido o “milagre”. Creio que nos esportes coletivos, de modo geral, as coisas acontecem assim. Mas no vôlei, em especial, no quinto set, é regra.

Sempre considerei balela essa história de que “não errar” é o segredo para a vitória. Sou mais do pensamento (não lembro quem falou, me perdoem usar a frase sem dar-lhe o devido crédito) de que “quem tem medo de errar não acerta”. Na rodada passada da Superliga feminina, o Fluminense conseguiu levar o jogo contra o invicto e líder Dentil Praia para o tiebreaker. No quinto set, dos 26 ataques realizados, o time carioca não errou nenhum deles. No entanto, fez apenas quatro pontos nessas finalizações. Também não desperdiçou saques. E perdeu o jogo.

Ao enfrentar equipes menos competentes – que não é o caso do Dentil Praia –, que, sem experiência ou condições psicológicas para enfrentar a pressão de um set decisivo, acabam por perder para as próprias precipitações e equívocos, o “não errar” é uma boa estratégia. Porém, em geral, levando em conta que se o jogo chegou a cinco sets o equilíbrio entre os lados pedirá algo mais do que simplesmente passar a bola para o outro lado, tal receita não funciona.

Nenhum boxeador entra para uma disputa de título só se defendendo; nenhum tenista disputa uma final de Grand Slam colocando o saque em jogo; nenhuma seleção fica tocando a bola no campo defensivo na decisão de uma Copa do Mundo de futebol; e igualmente no vôlei não pode sonhar com a vitória quem espera que o adversário vá lhe dar a vitória. Saques que simplesmente passam a rede e ataques controlados que facilitam a defesa e dão ritmo ao oponente resultam em aumento da confiança alheia e intensificação do bombardeio ofensivo.

Ao entrar no set final, os dois lados apresentam certa desconfiança sobre o que podem render e dúvida sobre o que o adversário pode fazer. Quem primeiro demonstrar medo ou receio, está a meio caminho da derrota. O time que primeiro detectar a insegurança do lado contrário da rede aumentará proporcionalmente sua desenvoltura.


O segredo dos campeões é saber “barcelonamente” como conciliar a vontade com a segurança, o ímpeto com a responsabilidade, a assertividade com a paciência e a audácia com a inteligência. E mais que isso, saber construir as situações constantes e repetitivas características do jogo de voleibol e estar atento ao momento oportuno de dar o bote e abocanhar o ponto.

Comentários

  1. Um exemplo que se encaixa muito bem, foi quando a Rússia virou o jogo contra o Brasil na final dos jogos olímpicos, um inversão de posições de dois jogadores, a saída do Dante no 3 set por contusão e o dia inspirado do Muzersk, não sei se é assim que se escreve. Uma imagem ficou em minha memória quado a câmera da tv pegou uma fala entre o Sidão e o Bernardinho, o Muzersk atacou uma bola pela saída de rede com o bloqueio duplo montado em cima dele, o Bernardinho gritou para o Sidão " toca na bola", o Sidão respondeu imediatamente, " não dá ele tá vindo todas por cima".
    Uma das melhores seleções que o Brasil já teve caiu diante de 1 gigante chamado Muzersk.

    Eduardo Toledo.

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    Respostas
    1. Ótimo exemplo, Edu. A coragem do Alekno de mudar tudo e correr o risco de ganhar um ouro olímpico. E a capacidade do Muserskyi de improvisar. E ganhou! Boa!

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