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De onde vem a força?

De onde as meninas do vôlei tiraram força para bater a seleção russa ontem? Um time desacreditado, criticado, que se classificou na fase anterior na bacia das almas joga de igual para igual com a primeira colocada do grupo A e até então invicta. Talvez só elas ainda acreditassem que poderiam resgatar a qualidade de jogo que foi definhando de Pequim até o último Grand Prix. A despeito de todos, elas foram buscar em algum recôndito da alma e do corpo a força que as impulsionou até o 21º do tie break.

Força de Sheilla. A oposta brasileira – julgada decadente a boca pequena e nas redes sociais – foi uma gigante. Chega um momento que as disputas esportivas coletivas se monopolizam em duas pessoas, e Sheilla foi perfeita nessa hora. Viu-se frente a frente com a quase perfeita Sokolova, comprou a briga e levou a melhor.

Força de Fernanda Garay. Em sua primeira Olimpíada, assumiu o lugar daquela que foi a melhor na conquista do ouro em 2008 e com dois saques precisos, além de se manter no ataque e no passe, determinou o caminho de uma batalha que já durava duas horas e meia.

Força de Thaísa. Referência em todos os jogos difíceis do Brasil na primeira fase, com um aproveitamento altíssimo de ataque e um saque que por muitas vezes foi uma das poucas coisas boas que a seleção fez na fase de grupos, manteve-se impassível diante da pressão e não fugiu à responsabilidade.

Força de Fabi. Para quem a criticou, mostrou que a idade não a tirou do estado de excelência. Foi peça fundamental para deixar Gamova muito abaixo do que sempre jogou contra o Brasil e dar condições, por meio de passes perfeitos, para que Thaísa recebesse a quantidade de bolas que recebeu e que se traduziram em pontos importantes e conduziram a tática do jogo.

Força de Dani Lins. Sempre disse que o dia em que pararem de comparar as novas levantadoras com Fernanda e Fofão, o País voltará a ter boas representantes na posição. Mostrou que é muito boa, apesar de não ser excepcional e conduziu com maestria a distribuição de bolas.

Força de Fabiana. Que assumiu a função de capitã e mostrou que gana e alegria podem conviver num mesmo semblante, fazendo da quadra seu quintal de infância a cada bloqueio realizado.

Força de Zé Roberto. Atingindo um estágio de absoluto equilíbrio emocional na direção da equipe, deu tranquilidade às atletas nos momentos em que o mundo estava prestes a cair sobre suas cabeças.

Força coletiva. Pois sem isso, não há time de voleibol que vença nem o time da igreja, quanto mais a Rússia. Sem disciplina tática – que se traduz em todos acreditarem e realizarem o que está proposto – não há possibilidade de vitória.

Começo a achar que quando tudo parece estar definido é quando mais se deve duvidar quando o assunto é esporte. Já não tenho tanta certeza da medalha de ouro dos Estados Unidos, apesar de considerá-lo, pela forma como está jogando, o time dos sonhos de qualquer técnico. Ontem as meninas calaram os críticos e os céticos, entre os quais me incluo. O Brasil se redescobriu e mandou o recado: tem que respeitar meu tamborim!

Comentários

  1. muito legal, Cacá! foi um jogaço e vc fez um belo raio X da vitória.

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  2. O Brasil no vôlei deve ser respeitado em qualquer condição.... Tiveram a oportunidade de deixá-lãs de fora, como não fizeram, agora agüentem a pressão....

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  3. Foi emocionante e tua análise foi ótima!

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