Pular para o conteúdo principal

Um título dá asas, mas melhor manter os pés no chão

Fonte: Divulgação / FIVB

Sob o signo da gestação, as bicampeãs olímpicas estrearam na temporada. A primeira competição da seleção feminina de vôlei no ano foi vitoriosa, mas não deve o torcedor se ufanar. Principalmente por um motivo: o torneio de Montreux não deu parâmetros de avaliação. Os otimistas que me desculpem, mas devemos aguardar o Grand Prix para fazer uma projeção mais segura.

A finalista Alemanha está bem longe de ser considerada uma força do voleibol mundial; foi nona colocada no último Mundial e rebaixada para o Grupo 2 do Grand Prix em 2016. A seleção chinesa participou do torneio na Suíça dirigida pelo assistente de Lang Ping e com apenas três campeãs olímpicas, a oposta Gong, que foi reserva no Rio-2016, a líbero Lin e a ponteira Liu. E a quarta colocada Argentina não chegou sequer às finais do Grupo 2 do GP ano passado.

A nova formação é forte no ataque, porém frágil na recepção. O time fica extremamente poderoso com Natália, Rosamaria e Tandara e com este trio não precisa sempre depender de a bola chegar perfeita às mãos da levantadora para decidir. No entanto, dois efeitos colaterais são próprios de equipes que atuam desta forma, como pode atestar a seleção russa e outras com estilo semelhante. Por mais que haja eficiência dessas atacantes, num jogo mais longo e contra equipes bem estruturadas no sistema defensivo – bloqueio e defesa – o rendimento das atacantes de força cai progressivamente; e as atacantes de meio são mais bem marcadas, pois são acionadas eventualmente.

Este último ponto pode ser o calcanhar de Aquiles de um time que nos últimos anos têm tido as centrais como ponto de apoio e referência para a tática ofensiva. Thaísa e Fabiana nunca eram abandonadas pelas bloqueadoras, o que facilitava a atuação de ponteiras e oposta. Isso graças a uma eficaz linha de passe que dava garantia de ritmo de jogo e ampliava as possibilidades ofensivas.

O que vem acontecendo nos últimos anos é que os adversários entram em quadra sabendo que o saque é fundamental para neutralizar esta força coletiva de ataque das brasileiras. Com jogadoras como Jaqueline e Fê Garay em campo, havia uma neutralização das intenções de saque adversárias, pois a confiança, a experiência e a presença de ambas e de uma líbero entrosada com elas permitia uma melhor ocupação do espaço. Entretanto, mesmo assim, já vínhamos sofrendo alguns reveses contra times que mantinham a pegada e a tática de saque durante todo o jogo.

Outro ponto que deverá melhorar é a afinação entre atacantes e levantadoras. Roberta ainda não está tão à vontade quanto se sente no ex-Rexona, parece sentir a cobrança que vem de fora e prende-se à necessidade de cumprir um papel, sem dar espaço à criatividade e à variação de jogadas.

Esta é uma análise parcial e inicial. Muita bola vai passar por cima da rede em 2017 e a seleção tem, além dos reforços que não participaram de Montreux, tempo para se estruturar. Competência não falta dentro e fora de quadra para isso. Para não dizer que não elogiei, o bloqueio brasileiro é atualmente o melhor do mundo. Um fábrica de tocos. Isso tem facilitado o trabalho da defesa, que mantém um rendimento alto de precisão e permite que o Brasil contra-ataque bastante com as centrais, o que de certa forma minimiza aquele problema da recepção citado anteriormente.

O Grand Prix vai de 7 de julho a 6 de agosto.


Comentários

  1. estamos enfrentando uma entressafra cruel... vai ser preciso muita ralação, mas muita ralação mesmo, para tirar leite de pedra! É tudo o que tenho a dizer.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O ciclo olímpico de Tóquio vai ser difícil mesmo, Eliane. Vamos torcer para que as peças se encaixem.

      Excluir
  2. Muitos dos problemas que a seleção feminina enfrentará se deve a um erro no meu ver em duas pontas: primeiro a insistência em manter Zé Robert no comando e segundo a um trabalho mal feito (ou mal transicionado?) nas categorias de base. Explico.

    Primeiro o Zé Roberto é um craque, um gênio deve sempre ter o seu lugar no Olimpus do vôlei. Mas tudo tem prazo de validade e acho que a seleção precisa de um fôlego novo no comando, uma nova forma de ver as coisas. Ninguém pode ter status de insubstituível. Zé Roberto prefere morrer abraçado às suas convicções (muitas vezes questionáveis) do que arriscar. Foi assim no Mundial de 2014 e na Rio 2016 quando morreu sem tentar fazer nada diferente. Suas motivações também são no mínimo estranhas, quando o corte da Fabíola em favor de uma levantadora sem entrosamento algum com a equipe (mas que porventura estaria no time dele na Superliga) quase custou uma eliminação ainda na primeira fase de Londres. E o que vimos no ciclo passado foi que enquanto outras seleções colocaram as jovens para jogar, o Zé preferiu querer ganhar tudo com um grupo que já sabia que seria difícil permanecer no pós-Rio.

    Segundo, não tem se revelado jogadoras com a mesma qualidade que no pós Atenas por exemplo. Quem surgiu no mesmo nível de Jaque, Sheila, Fabiana e por aí vai? Será que não é uma falha na garimpagem de talentos Brasil afora? E outra, não entendo o protecionismo dado a certas atletas nessa geração. Sheila e companhia, já chegaram à seleção tendo que responder às mesmas expectativas da geração anterior. Mari foi crucificada muitas e muitas vezes, mesmo sendo mais nova que a Natália por exemplo. Na idade que essas meninas tem aí hoje, as anteriores já assumiam um papel mais maduro e de liderança inquestionável. Acho que as meninas tem sair mais maduras da base e isso não está acontecendo mais.

    Enfim, ainda falta muita água pra passar debaixo dessa ponte, mas temo que o final dessa história seja semelhante ao final do período do Zé pela seleção masculina.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Paulo Roberto, obrigado pela participação e pela análise extensa. Abraço

      Excluir
    2. Eu que agradeço. Não conhecia seu blog, excelente trabalho!!!

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva Carlos Eduardo Bizzocchi Este breve ensaio não pretende de maneira nenhuma esgotar o assunto tampouco se aprofundar num tema que exigiria conhecimentos mais sólidos sobre sociologia ou etnografia e também uma pesquisa mais ampla. Ele é, de certo modo, um convite à discussão sobre o preconceito racial e sobre o efetivo papel inclusivo do esporte. O futebol brasileiro começou a romper a barreira da exclusão racial já na década de 1920 e, em pouco tempo, várias agremiações com negros e brancos dividiam espaço nos campos e espaços públicos. Na Copa do Mundo de 1954, a divisão étnica entre os titulares era quase meio a meio. Enquanto isso, o voleibol do país fechava-se dentro de clubes tradicionais, redutos conservadores e particulares, sob regimentos internos ainda impregnados do preconceito racial sobrevivente de uma abolição da escravatura que completava pouco mais de meio século. Aceito

Coração e competência

Crédito foto: CBV A seleção brasileira de vôlei dispensou a calculadora e fez as duas melhores partidas do Grand Prix na última sexta-feira (21) e, principalmente, ontem (23). Enquanto muita gente fazia contas e duvidava da capacidade de jogadoras e comissão técnica, elas mostraram que ainda há lenha para queimar debaixo da brasa que sobrou sob as cinzas da Rio-2016. Duas condições interdependentes do vôlei serviram para impulsionar a equipe: quem não é bom em determinado fundamento precisa criar sua identidade em outro; e não dá para ser competitivo com um fundamento que esteja abaixo do aceitável. O sistema defensivo se aprimorou na defesa e o contra-ataque contou com uma dose reforçada de paciência e malícia, enquanto a recepção, que não é um primor, comportou-se dentro de um nível aceitável e não permitiu que o adversário se valesse de tal fragilidade. Com um rendimento invejável no bloqueio, as comandadas de José Roberto Guimarães se superaram contr

O fator T

O fator T T de Tiffany, de transexual, de testosterona Apesar do recesso de fim de ano, a Superliga feminina de vôlei continuou nas manchetes. Nos dois últimos jogos, em que defendeu o Vôlei Bauru (SP) como titular, a oposta Tiffany, primeira transexual a disputar o torneio nacional, fez 55 pontos em nove sets. Nas mesmas rodadas, a oposta da seleção brasileira Tandara fez 24 pontos em sete sets defendendo o Vôlei Nestlé. Tiffany até 2015 disputava o campeonato holandês masculino. Após cirurgia para mudança de sexo, tratamento para redução da produção de testosterona e consequente liberação da Federação Internacional, disputou a reta final da Liga Italiana A2 pelo Golem Palmi no começo de 2017. Sua participação por lá gerou críticas e até ameaças de recursos na justiça comum pelos adversários. O programa Roda de Vôlei já havia levantado a questão da participação de Tiffany entre as mulheres num esporte em que a potência muscular predomina e decide. Apoiados na opinião d