O nome é puro marketing, a propaganda anuncia uma
escola livre do assédio moral e ideológico de uma horda de milhões de professores
mal-intencionados. O Projeto de Lei 7.180/14, que se adapta a uma convenção de
1969 (!) e que ficou conhecido como “Escola sem Partido”, em tramitação na
Câmara dos Deputados, já foi considerado anticonstitucional pelo Ministério
Público, mas resiste e deve ir a votação nos próximos dias. Aproveitando-se da
onda de moralismo e a polarização ideológica que pairam sobre o país, deputados
da bancada evangélica e de partidos conservadores que comandam a comissão na
Câmara querem acelerar a ida do PL ao plenário.
Vamos então a aspectos explícitos e implícitos cruciais
do texto da proposta, para justificar o repúdio adotado por aqueles que sabem
que educação escolar vai além da mera transmissão de conhecimentos.
Logo Artigo 2º, o item III determina “não fará
propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a
participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. Vamos supor que o
presidente da República feche o Congresso Nacional, extingua o Supremo Tribunal
Federal, persiga seus opositores e os submeta a torturas e isolamentos. Em sala
de aula, o professor deverá prosseguir a aprendizagem da tabuada e retornar à
página 43 do livro de História que fala sobre os Astecas e Maias. E em momento
nenhum abordar o caso do tio de um dos alunos que desapareceu depois de uma
passeata no centro de Salvador. Do mesmo modo, deve defender o Estado que não supre
a escola de merenda e não reforma o teto que cancela aulas em dias chuvosos.
Está lá no item IV, “ao tratar de questões políticas,
socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as
principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”.
Ok, o professor de História vai tratar o nazismo e o fascismo com isenção, apresentando
índices de crescimento econômico de Alemanha e Itália à época, levando o aluno
a acreditar que ambos não são muito diferentes do que a democracia; que o Plano
Collor foi apenas um plano econômico de ajuste, assim como foi o Real anos
depois. Alhos, bugalhos, gatos, sapatos e espetos, tudo no mesmo saco a serem apalpados
por um indivíduo com vendas nos olhos.
No item V, o professor “respeitará o direito dos
pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções”, contemporizando em meio a uma aula de educação física em
que um dos alunos fez com que ele marcasse um pênalti, ainda que injustamente,
pois o pai dele, traficante dos mais conhecidos da região, prega que o direito
é privilégio de quem tem mais poder. Ou, no mesmo caso, num colégio particular,
com o filho de um milionário que o poder financeiro está de tudo, inclusive da
justiça.
Os dispositivos da lei estendem-se ainda aos livros
didáticos e paradidáticos – para que não reste pedra sobre pedra nem vestígios escritos
de “antigas” doutrinas – e avaliações do ensino superior – para se ter certeza
de que o futuro adulto ingressará no campo minado das universidades e da
juventude naturalmente contestadora e libertária (e futuramente no mercado de
trabalho) sem sementes de criticidade ou liberdade de pensamento.
E por fim, altera o artigo nº 3 da LDB incluindo o
seguinte Parágrafo único: “A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem
adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, nem mesmo de forma complementar
ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo “gênero” ou
“orientação sexual”. Tementes a uma propaganda pelo homossexualismo em sala de
aula, os relatores do PL instituem a invisibilidade à diversidade de gêneros.
Se são as famílias que determinam a educação em relação à tolerância sobre a
orientação sexual e o professor em sala de aula está proibido de fazer menções
ao assunto, como construir um ambiente social de equilíbrio e tolerância se: o
primo gay de um dos alunos é segregado das reuniões familiares; se a irmã de
outro apanha todo dia do pai por ter sido vista pela vizinha de mãos dadas com
uma colega que estuda na mesma sala em que todos estão naquele momento; como
tratar do assunto trazido por uma das crianças, que viu dois skinheads violentando
uma garota lésbica pelo simples motivo de mostrar a ela o que é um homem de
verdade?
O mais importante na análise de uma legislação não
é superficialmente entender o que ela pretende, mas vasculhar o que ela
possibilita e acarreta. Tendo por trás valores religiosos de proteção aos bons
costumes e à moralidade, a lei é um atentado à autonomia e à capacidade e
missão de intervenção do professor em temas da alta pertinência e importância
no mundo contemporâneo. Ademais, a lei é, sim, um pacto ideológico das direitas
conservadoras, com vieses intencionais de manter a ordem capitalista e a
hegemonia de grupos dominantes preocupados com uma sociedade civil tornada crítica e
contestadora de uma ordenação socioeconômica cruel, desigual, injusta e de uma
classe política que há décadas republicanas não honra com mais elementares
deveres cívicos.
Eu quero continuar
incentivando meus alunos a serem cabeças pensantes, cidadãos transformadores,
agentes de um mundo mais justo e mais tolerante, indivíduos mais lúcidos e proativos e sementes de um amanhã
consciente.
Ainda dá para enviar seu voto de
repúdio à PL. Entre em https://forms.camara.leg.br/ex/enquetes/606722/resultado?fbclid=IwAR1LIuSY9qy1DSa2mJQrjqg56Hayr3-lB07T0j8X0AFlIhse-fspvYPxRYQ
e clique em DISCORDO. Ontem
estava 51% a favor e 49% contra, hoje chegamos ao empate. Diga NÃO ao controle
ideológico da alienação!
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