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O intelectual, o futebol e a Educação Física


Luis Paulo Rosenberg é economista com formação pela USP e pós-graduação nos Estados Unidos. Três vezes por semana fala nas rádios do Grupo Bandeirantes e já trabalhou em ministérios e nos mais conceituados veículos da mídia nacional. Hoje cedo ele escolheu como tema de sua coluna a decisão judicial do STJ-SP da última semana que entendeu que treinadores de futebol não precisam ter formação em Educação Física para exercer a profissão.
Com argumentos como o técnico não aprende na faculdade a lidar com grupos, a liderar um time à beira do campo ou a mudar o resultado do jogo com táticas pontuais, opinou que apenas profissionais que lidam com a saúde do ser humano deveriam ter a vigilância de um conselho e deles ser exigido diploma universitário.

Meu caro Rosemberg, concordo em parte com você, mais exatamente no pouco que relacionou como vivências e percepções que se aprendem muito mais na prática do que na escola. Mas muito me surpreendeu sua total falta de conhecimento das demais atribuições de um treinador de futebol e da formação de um profissional da educação física e do esporte.
Sua própria carreira de sucesso construiu-se com muito estudo, muito banco de faculdade, muita biblioteca, muitas horas perdidas sobre livros e planilhas. E assim também deve ser a de um profissional que vai, sim, lidar com a saúde do ser humano. A Educação Física é curso pertencente à área das Ciências da Saúde em qualquer universidade, portanto deve preparar seus egressos para atuar em consonância com a prevenção da saúde do aluno ou do atleta ao qual irá orientar.

Um treinador de futebol sem formação em fisiologia do esforço pode colocar em risco um atleta submetido a um ritmo ou intensidade incompatíveis com sua capacidade cardiovascular. Uma criança precisa ser orientada nas sessões a que ela é submetida na iniciação esportiva de modo a não ter seu crescimento e desenvolvimento comprometidos por escolhas inadequadas; por isso na universidade se estuda Crescimento e Desenvolvimento e adquire-se conhecimento sobre idade ideal e os riscos da especialização e iniciação precoce. As disciplinas sobre aprendizagem motora e desenvolvimento motor oferecem conhecimentos que permitirão ao professor formado ensinar da forma mais pragmática possível as habilidades que o indivíduo utilizará por toda a vida; uma aprendizagem destoante das prontidões e dos métodos didáticos e pedagógicos específicos pode abreviar qualquer potencial carreira de sucesso numa modalidade esportiva.

Poderia elencar várias outras importantes razões para que o treinador de futebol tivesse uma formação mais adequada – que talvez nem precise passar pelos quatro anos de formação universitária –, mas vou abreviar o relato. Apoiar-se numa crítica aos comportamentos corporativistas dos conselhos de modo geral, como o colega fez, não contribui com uma discussão importante, apenas inibe um conhecimento mais aprofundado de alguns contextos desconhecidos pela população. E isso não é bom, caro Rosemberg.


Poderíamos discutir se a formação acadêmica atual capacita o profissional a exercer a função de técnico de futebol. Isso sim – ponto altamente crítico e delicado – contribuiria para que seus filhos e netos pudessem ter como orientador um profissional consciente e preparado. E não outro que, se mal formado, pode levá-lo inclusive a limitações do aparelho musculoesquelético, complicações dos sistemas cardiorrespiratório e vascular ou, acredite, até à morte. Mas não parece que a Educação Física goze de tanta consideração por parte da opinião pública, e formadores de opinião como o colega são fundamentais para tal esclarecimento.

De profissionais estamos cheios, somos carentes de bons profissionais!

Comentários

  1. Bom dia Cacá! Acho essa discussão muito pertinente. Sou formado em Educação Física há 16 anos e sempre este tema causou polemicas. O discurso dos profissionais da área são muito corporativistas. Infelizmente a Educaçao Física não capacita seus profissionais de forma satisfatoria principalmente no esporte de alto rendimento. Se nos referirmos a formação esportiva, ainds sou favorável ao profissional. Nos EUA, maior potência do esporte mundial e exemplo de formaçao esportiva os técnicos não tem obrigatoriedade de formação. Vejo a necessidade de cursos de graduação e pós graduação voltados especificamente ao esporte de uma forma muito especializada. Uma vez li uma reportagem sobre a China. Na verdade o cara estuda A faculdade de Voleibol e fica estudando 4 anos sobre as áreas que vc citou, aprendizagem, crescimento e desenvolvimento, fisiologia, etc, aplicadas a modalidade estudada. Bernardinho não é formado em Educaçao Física, mas se cerca de profissionais capacitados comonpreparador fisico, este sim deve ser formado. Não acredito muito neste discurso corporativista que a área e o Cref, órgão que visa a perpetuação no poder, dos dirigentes, como tudo no Brasil. Sou capacitado pela lei e por ser formado a trabalhar com qualquer modalidade esportiva, mas para fins de comparação quem entende mais de esgrima, um ex atleta ou um profissional que nunca pegou em uma espada? Parabéns pelo artigo. Acompanho sempre seu trabalho. Siu tecnico do Esporte Clube Pinheiros da categoria sub 19 de voleibol feminino

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    1. Sou também a favor do especialista, mas devidamente preparado, mesmo que não seja graduado, mas que possa adquirir o mínimo indispensável de conhecimento. Temos muito a debater, certamente. Grande abraço! E obrigado!

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    2. Cacá há muito venho pensando e algumas vezes discutindo esse assunto. Creio que a formação atual nas Escolas de Educação não é adequada para quem pretende seguir a carreira de treinador. Quase não se fala mais de esporte nas Escolas de Ed.Física. Então a pergunta: porque gastar 4 anos se ao sair da escola o aluno não em preparo suficiente para encarar a profissão de treinador? Em países como a Argentina, Itália e Espanha (e aí me refiro ao basquete) ão há a necessidade de uma formação em educação física. Há sim cursos muito bem elaborados que dão ao candidato a técnico condições de trabalhar de forma gradual (começando com a iniciação até o alto rendimento) ministrados por excelentes profissionais. Aqui o que vejo é o CREF querendo interferir na formação das pessoas só como forma de angariar fundos e cobrando uma atuação que não é provida nas Escolas de Ed. Física. Sem falar falta de coragem de brigar com o futebol com quem o CREF nem se atreve a medir forças. Grande abraço e excelente discussão.

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    3. Grande Dante, talvez esta seja a saída para a inescrupulosa fábrica de egressos que impera nas universidades particulares. Por isso acho que os intelectuais precisam conduzir a discussão. E indo ao ponto nevrálgico do problema. Grande abraço com a admiração de sempre!

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