Doze anos atrás, por precaução,
tirei o aquário em que morava o Minguado de dentro de casa quando foram
dedetizá-la. Deixei-o na área de serviço, onde o vento impediria que o veneno
pudesse intoxicá-lo. No entanto, quando o sol de verão de Santos bateu naquele
canto que antes estava sob a proteção da sombra, o coitado do Minguado não
suportou a temperatura da água e morreu.
Para limpar minha barra com Nadja
e Mayra, aceitei a vinda de um cachorrinho, até então negada e sem qualquer
chance de negociação. Não que eu não gostasse de animais, mas eu havia tido na adolescência
uma experiência traumática com a Sílvia de Falkenburg, nossa cadela que entrou
em estado de eclampsia em plena amamentação de nove filhotes. Isso fez com que minha
mãe, meus dois irmãos e eu tivéssemos que acordar de madrugada por vários dias para
dar leite na mamadeira aos pequenos, até que eles desmamassem.
Mas a culpa pela morte do
Minguado e a tristeza delas fez com que eu reconsiderasse o trauma e fôssemos a
uma feira de adoção escolher o novo companheiro animal. Não esquecerei jamais a
felicidade no rosto de ambas quando voltaram com aquela cadelinha cor de mel
nos braços.
Lila foi crescendo, ganhando
corpo e voz, mais esta do que aquele. Uma voz potente que avisava qualquer aproximação,
fosse gente, bicho ou nosso carro embicando na garagem. Desde sua chegada, Lila
nunca saiu de perto de nós. Tinha muito medo de carro, de barulho de caminhão e
de cachorro bravo. Tentava esconder seu medo latindo para aqueles que estavam por
trás das grades e dos portões em nossos passeios pelo bairro, mas se aninhava
rapidamente entre nossas pernas se a barra pesava. Como o Joca não gostava de
escândalos, Lila tomava vários “sacodes” dele, que a puxava com os dentes pela
coleira, como se falasse: “não me faça passar vergonha”.
Mas dentro de casa, ela era quem
mandava. Mandou no Toy enquanto ele esteve vivo e depois no Joca. Escolhia o
prato de comida, o brinquedo novo, o canto na sala e o tapete pra dormir; eles
que se contentassem com o que sobrasse. Rosnava, latia e ameaçava até avançar,
se fosse enfrentada por eles. Nos dava bom dia balançando o rabo ainda deitada,
o que fazia com que ele batesse repetidamente no chão, como se estivesse tocando
um tambor em pedido de carinho. Ciumenta que só ela, não deixava a gente
conversar se não dividisse a atenção com um carinho na barriga que se oferecia espraiada,
deitando-se de costas à nossa frente.
A mesma barriga que vinha
crescendo demais e necessitava de drenagens quinzenais depois que um tumor foi
descoberto. Por causa de um problema no coração diagnosticado no mesmo dia, uma
possível cirurgia foi descartada. Desde julho de 2019 vivemos com Lila sabendo
que a qualquer momento ela podia ir embora. Se já era paparicada, passou a ser
mais ainda, se já era nossa princesa, virou nossa rainha. Passou a não querer
mais passear e se escondia debaixo da mesa quando pegávamos a coleira e a guia.
Só torcíamos para que ela não sofresse com a doença que a deixava cada dia mais
magra e cansada.
E assim foi. Na noite de 5
fevereiro sentiu-se mal, tremeu por alguns segundos e foi embora. Na sala de
casa, ao lado de quem mais cuidou dela durante os 12 anos que ficou com ela. Lu
ainda achou que ela estava passando mal, mas logo aceitou a passagem.
Foram 12 anos de fidelidade, de
alegria, de companheirismo, de defesa da casa, de ciumeira, de amor, de cuidado
e de retribuição. Se antes eu não queria cachorro em casa, hoje sinto a falta
que a danada faz. Se 12 anos atrás eu virava o rosto diante da possibilidade,
hoje queria girar o tempo ao contrário e ter Lila de volta a latir, soltar pelo
e pedir um teco de comida sentada à beira da mesa.
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