Pular para o conteúdo principal

Voleibol Unido pela Base - Primeira reunião - Documento I

No último dia 24 de agosto, aconteceu a primeira reunião extraoficial de treinadores de voleibol e profissionais da Educação Física interessados em promover a excelência no trabalho de formação da modalidade.

Em meio a debates referentes a vários aspectos relacionados às categorias de base e à formação desportiva de modo geral e a discussões acerca dos principais problemas enfrentados pelos profissionais que trabalham neste universo, especificamente com o voleibol, o grupo resolveu elencar alguns pontos que considera crucial para o aprimoramento do trabalho de formação em voleibol.

Conscientes de que as diferenças regionais no âmbito nacional impedem de buscar uma gama de soluções que sirva a todos, entendemos que um primeiro passo dado em São Paulo pode mobilizar os profissionais aqui instalados num movimento de fortalecimento que possa interessar a todos. Por isso, divulgamos o primeiro documento, fruto desta primeira rodada de conversa.

Este documento inicial é apenas uma pauta para que, a partir do próximo encontro, possamos nos aprofundar na busca por possíveis soluções para as categorias de base e por melhores condições de trabalho para todos que nela atuam e, consequentemente, para todo o voleibol.

Segue o documento, lembrando que nomearemos o movimento Voleibol Unido pela Base inicialmente de “Grupo”, antes de oficializarmos sua estruturação.

Premissas

·         A importância do trabalho de formação de qualidade é imprescindível, fundamental e insubstituível para o fomento e a manutenção da excelência das categorias adultas.

·         O trabalho de formação em voleibol vive um momento de especial dificuldade em vários aspectos e pode, no curto prazo, deixar de cumprir suas principais funções.

·         A posição de respeito e da condição vitoriosa do voleibol brasileiro no cenário internacional só serão mantidas se o trabalho de formação de novos atletas for revigorado, reorganizado e compreendido de maneira mais profissional e tratado com mais seriedade e harmonia por todos os envolvidos nas categorias de base.

·         Subentende-se por trabalho desportivo de base a formação integral de qualidade do ser humano, independentemente do fato de o jovem vir a se tornar ou não um atleta profissional.

·         Subentende-se por trabalho de qualidade a condição de treinabilidade e aprendizagem condizente com a faixa etária em questão e com a exploração do potencial individual em termos físicos e motores de acordo com os princípios do desenvolvimento humano e o respeito às teorias de treinamento e sobre idade ideal, além da observância dos riscos e perigosos da especialização precoce.

·         Nenhum plano de reorganização do trabalho de formação terá sucesso se os profissionais não abrirem mão do fácil apelo do sucesso à custa da especialização precoce e de métodos que reproduzam modelos de treinos e planejamentos adultos, com os quais crianças e adolescentes são entendidos como miniadultos.

·         O “Grupo” não se vinculará inicialmente a nenhuma entidade oficial para não limitar sua intenção de ação nem se partidarizar em prejuízo de futuras parcerias. Nada impede que futuros vínculos sejam criados, mas a prerrogativa para a criação do “Grupo” é ter autonomia e não ter qualquer associação inicial que impeça a ligação com toda e qualquer instituição que pretenda juntar forças para a construção de um futuro melhor para o voleibol, desvinculado de vícios políticos, administrativos e letárgicos.

Problemas

·         Os ingressantes nas escolinhas e categorias de base do voleibol chegam sem condições mínimas motoras para aprender as técnicas básicas do voleibol. A falta de vivência motora é um dificultador da aprendizagem de um esporte constituído em sua maioria por habilidades construídas e não naturais.

·         Os profissionais que trabalham com iniciação e categorias de base, seja em clubes ou escolas, relatam dificuldades das mais variadas origens. Entre elas:

o   problemas com infraestrutura – locais inadequados, falta de material, equipamentos em mal estado de conservação –;

o   desinteresse por parte de diretores, associados, alunos, atletas;

o   políticas que desautorizam a extensão do acesso a pessoas não pertencentes aos grupos – alunos ou associados;

o   entraves burocráticos

·         Interesses conflitantes entre técnicos, pais e atletas provocam sérias dificuldades para a implantação de um trabalho que visa ao longo prazo e ao entendimento da importância de um planejamento continuado para a plena formação do atleta.

·         A pouca quantidade de treinos e jogos provoca uma limitação tanto no volume necessário para que o processo ensino-aprendizagem se desenvolva quanto para a vivência lúdica e coletiva do jogo de voleibol.

·         A dissociação de objetivos de longo prazo e da formação integral entre os treinadores atuantes na base dificultam uma homogeneização do trabalho de formação e a compreensão generalizada da importância do planejamento contínuo e consciente.

·         A formação continuada de boa parte dos profissionais deixa de ser prioridade diante da precária remuneração, o que, consequentemente, leva-o a se desdobrar em outras ocupações, fazendo com que o trabalho com formação seja apenas um passatempo

Causas

·         A principal razão da baixa qualidade motora e do raso acervo motor da criança está diretamente relacionada à frequência cada vez mais rara das crianças às aulas de educação física escolar e à baixa qualidade destas. Mais focadas na recreação e pouco atraentes, a aula de educação física vem desmotivando o aluno e pouco lhe oferecendo em recursos motores indispensáveis à prática do voleibol.

·         Este desinteresse do aluno pelas aulas de educação física e o pobre acervo motor refletem na dificuldade do iniciante em solucionar os problemas motores advindos da prática das habilidades básicas do voleibol e na consequente desmotivação, primeiro passo para a evasão e a desistência.

·         O treinamento dissociado da ludicidade faz com que o estresse se acumule precocemente na vida diária da criança, impedindo-a de vivenciar o voleibol com desprendimento. As exigências espartanas por desempenho e compromisso com o rendimento substituem a principal motivação da criança ao ingressar numa modalidade esportiva: o prazer de praticar o jogo.

·         Além dessas causas, as novas tecnologias estão cada vez mais afastando a criança e o adolescente da prática desportiva. Com o apelo da distração e da emoção à custa de pouca transpiração e esforço, o público jovem tem se dedicado menos à iniciação esportiva e às exigências do treinamento.

·         O desinteresse da família soma-se ao da criança e do jovem devido à dificuldade de locomoção, horários, trânsito, custos etc. para manter os filhos em grupos de treinamento que deveriam consumir de duas a três sessões semanais de treino, além das competições que normalmente acontecem aos finais de semana. O pouco empenho da família em solucionar esses problemas leva a faltas, descompromisso com o time e falta de comprometimento gradual do restante do grupo.

·         O problema da evasão e da desistência conduz a outro problema, o afunilamento capilar a partir dos 14/16 anos entre as garotas e 16/17 entre os meninos. Poucos são os que continuam após este estreitamento etário, muitas vezes devido a interesses pessoais e opções escolares, mas também por percepção do baixo nível técnico alcançado até esta etapa, o que os impede de continuar atuando em igualdade de condições com os demais ou com condições de se valer do voleibol para alcançar objetivos pessoais (por exemplo, a conquista de bolsas de estudo no Brasil ou, principalmente, no exterior graças à capacitação atlética na modalidade), ou mesmo praticar com qualidade o voleibol, ainda que com finalidade recreativa ou amadora.

·         As necessidades e os apelos externos contribuem também para a evasão, principalmente os relacionados aos vícios, ao trabalho e à vida social. Diante do chamado hedonista, o jovem abandona o voleibol para se dedicar à vida mais “fácil”.

Possíveis soluções

·         Ações junto a prefeituras e vereadores, governos estaduais e deputados como forma de pressão a conseguir maior número de aulas de educação física escolar.

·         Conseguir que o “Grupo” ganhe alcance e infiltração para promover cursos de capacitação e atualização, conforme nossa filosofia de trabalho, junto a professores de educação física escolar, professores de escolinha e treinadores de categorias de base.

·         Implantar políticas de incentivo a adoção de bolsas estudo para alunos-atletas em escolas particulares que tenham planos de formação esportiva.

·         Buscar formas de investimentos privados para a atuação do “Grupo”, para a divulgação de cursos de capacitação e atualização.

·         Buscar formas de investimentos privados para a implantação de núcleos de formação em clubes, escolas e centros esportivos com a filosofia do “Grupo”.

·         Buscar formas de investimentos privados para a promoção de torneios, festivais e campeonatos de curta, média e longa duração entre as equipes participantes do movimento.

·         Promover ações para estimular o gosto pelo voleibol, como eventos com famílias, com ídolos do voleibol, com idas a jogos oficiais etc.

·         Buscar formas de que ações sociais tenham compromisso também com a formação esportiva de qualidade, oferecendo o voleibol como possibilidade de ascensão social, valorizando o trabalho de longo prazo.

·         Buscar parcerias público-privadas para promover ações sociais/esportivas e viabilizar a promoção de eventos.

·         Promover a integração entre escolas, clubes, centros educacionais etc. para a construção de um movimento amplo e multi-institucional de formação e participação em eventos festivos e competitivos.

·         Buscar formas de incentivos em âmbito municipal a escolas que desenvolvem projetos de formação e a professores de educação física que busquem a capacitação e a atualização.

·         Implantar uma metodologia pedagógica de longo prazo que vise à formação continuada do indivíduo e que sirva de base (semelhante à BNCC) para o trabalho uniformizado dos profissionais que aderirem à filosofia do “Grupo”

·         Idealizar e organizar torneios de curta duração que mantenham crianças e adolescentes em atividade e constantemente motivados para a prática sistemática do voleibol.

·         Viabilizar a atuação do “Grupo” por meio de sua institucionalização e de canalização de recursos que permita a realização de todas as propostas.

·         Priorizar o fortalecimento do projeto a partir do princípio da regionalização, entendendo que a estruturação regional permitirá o maior intercâmbio entre os agentes do projeto, enquant a multiplicação de centros e participantes se dará por meio da divulgação rápida e da construção de uma identidade esportiva da região com o voleibol e com o projeto.

Outras questões

Como o projeto do “Grupo” é arrojado e visa a objetivos de amplo alcance, algumas condições são necessárias e, para isso, precisamos de pessoas que agrupem know-how diferenciado à iniciativa. A ideia é compor o “Grupo” com profissionais das variadas áreas necessárias para sua viabilização, ou seja, profissionais que possam:

·         Estabelecer a forma ideal de criação do “Grupo” dentro das possibilidades legais e visando ao pleno exercício das propostas.

·         Vincular apoios públicos e privados – convocamos profissionais que conheçam sobre políticas públicas, viabilização de projetos privados, associação a projetos vinculados a leis de incentivo etc.

·         Encontrar formas de transmissão das competições por meio das novas mídias, buscando parceiros e patrocinadores.

·         Organização de grandes eventos promocionais, como meio de alavancar patrocínios e parcerias.

·         Conseguir entrada nos principais meios de comunicação e divulgação da primazia pelo trabalho de qualidade junto às categorias de base e da iniciativa do “Grupo”.

·         Estabelecer os princípios, o regulamento e as principais atuações do “Grupo”

·         Buscar uma forma de ter uma chancela do “Grupo” – uma espécie de “selo de qualidade” que torne todas as associações com o “Grupo” como marca de excelência.

·         Buscar formas de incentivo a escolas, clubes, instituições que mantenham todas as categorias de base.

Pedimos a gentileza que todos os interessados participem de nossa próxima reunião e que consigamos estabelecer as diretrizes para a criação do “Grupo”. Pedimos também que os profissionais que possam auxiliar com as questões levantadas por último também compareçam, pois precisamos juntar forças com as diferentes qualificações.

A data e local da próxima reunião serão comunicados tão logo sejam decididos. Aceitamos sugestões de local e melhor dia para a realizarmos.

Por um voleibol mais forte, por uma base consistente e por melhores condições de trabalho para todos.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva Carlos Eduardo Bizzocchi Este breve ensaio não pretende de maneira nenhuma esgotar o assunto tampouco se aprofundar num tema que exigiria conhecimentos mais sólidos sobre sociologia ou etnografia e também uma pesquisa mais ampla. Ele é, de certo modo, um convite à discussão sobre o preconceito racial e sobre o efetivo papel inclusivo do esporte. O futebol brasileiro começou a romper a barreira da exclusão racial já na década de 1920 e, em pouco tempo, várias agremiações com negros e brancos dividiam espaço nos campos e espaços públicos. Na Copa do Mundo de 1954, a divisão étnica entre os titulares era quase meio a meio. Enquanto isso, o voleibol do país fechava-se dentro de clubes tradicionais, redutos conservadores e particulares, sob regimentos internos ainda impregnados do preconceito racial sobrevivente de uma abolição da escravatura que completava pouco mais de meio século. Aceito

Coração e competência

Crédito foto: CBV A seleção brasileira de vôlei dispensou a calculadora e fez as duas melhores partidas do Grand Prix na última sexta-feira (21) e, principalmente, ontem (23). Enquanto muita gente fazia contas e duvidava da capacidade de jogadoras e comissão técnica, elas mostraram que ainda há lenha para queimar debaixo da brasa que sobrou sob as cinzas da Rio-2016. Duas condições interdependentes do vôlei serviram para impulsionar a equipe: quem não é bom em determinado fundamento precisa criar sua identidade em outro; e não dá para ser competitivo com um fundamento que esteja abaixo do aceitável. O sistema defensivo se aprimorou na defesa e o contra-ataque contou com uma dose reforçada de paciência e malícia, enquanto a recepção, que não é um primor, comportou-se dentro de um nível aceitável e não permitiu que o adversário se valesse de tal fragilidade. Com um rendimento invejável no bloqueio, as comandadas de José Roberto Guimarães se superaram contr

O fator T

O fator T T de Tiffany, de transexual, de testosterona Apesar do recesso de fim de ano, a Superliga feminina de vôlei continuou nas manchetes. Nos dois últimos jogos, em que defendeu o Vôlei Bauru (SP) como titular, a oposta Tiffany, primeira transexual a disputar o torneio nacional, fez 55 pontos em nove sets. Nas mesmas rodadas, a oposta da seleção brasileira Tandara fez 24 pontos em sete sets defendendo o Vôlei Nestlé. Tiffany até 2015 disputava o campeonato holandês masculino. Após cirurgia para mudança de sexo, tratamento para redução da produção de testosterona e consequente liberação da Federação Internacional, disputou a reta final da Liga Italiana A2 pelo Golem Palmi no começo de 2017. Sua participação por lá gerou críticas e até ameaças de recursos na justiça comum pelos adversários. O programa Roda de Vôlei já havia levantado a questão da participação de Tiffany entre as mulheres num esporte em que a potência muscular predomina e decide. Apoiados na opinião d