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Os programas esportivos precisam de jornalistas ou animadores?


A crônica esportiva peca muitas vezes pelo superficialismo e aí cai no descrédito. O jornalismo-espetáculo que passou a ser muito mais rentável que o analítico domina muitos dos programas esportivos dedicados ao futebol. As previsões sensacionalistas dão muito mais ibope do que análises sérias e aprofundadas.

Em 12 de junho o Brasileirão estava na nona rodada, o Palmeiras liderava o campeonato com cinco pontos de vantagem sobre o Santos – a contar com três pontos sub judice em partida contra o Botafogo. Pressionados pelos apresentadores, muitos comentaristas admitiam naquele momento que o título já era do Palmeiras. Sem considerar que cada time haveria ainda de disputar 87 pontos.

Ainda que o torneio tivesse 38 rodadas a serem jogadas, que seria interrompido por um mês pela Copa América, com a janela de contratações aberta, com vários dos clubes – inclusive o Palmeiras – disputando mais um ou dois campeonatos paralelos (entre eles a Libertadores, à qual todos priorizam), com jogadores-chave que carregam o time nas costas e que podem se contundir e desfalcar seriamente suas equipes, os experts (dos quais se espera sempre a sensatez e o comedimento) cravavam o alviverde com o título.

Nenhum jornalista especializado em economia arriscaria dizer que o dólar chegaria no fim do ano a R$ 25,00 apenas para ver o circo pegar fogo. Nenhum jornalista de política arriscaria prever que Cabo Daciolo seria eleito presidente da República na última eleição apenas para dar mais audiência a sua emissora ou promover a discórdia entre seus seguidores. Por que o jornalismo esportivo se presta a esse tipo de prática?

Pouco mais de dois meses depois da avalanche de profecias, vemos seis equipes no pelotão de frente, sendo que o sexto colocado tem apenas cinco pontos de desvantagem em relação ao líder, que não é o Palmeiras. Ou seja, em apenas duas das 23 (!) rodadas que ainda faltam, tudo pode se embaralhar. E curiosamente, a situação agora é tratada pelos especialistas como se sempre fosse possível prever tal equilíbrio.

Enquanto os clubes treinavam durante a Copa América, nenhum veículo se prestou a analisar o que cada um deles fazia de diferente do outro e (quem sabe?!) fazer previsões com mais embasamento, e não por meio de adivinhações. Poderiam comparar a carga de treinamento, o tipo de treinamento escolhido, o volume de preparação física, a quantidade de dias de folga, diferenciar treinos técnicos dos táticos e... com base nas reviravoltas da classificação promover uma análise comparativa das escolhas dos treinadores.

Em vez de moedas jogadas ao ar teríamos a apuração, tão cara ao jornalismo, e a observação a nos explicar porque o Flamengo cresceu, o Santos é líder, o São Paulo se recuperou, o Palmeiras decaiu e o Corinthians não perde mais.

Quem sabe no ano que vem...

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