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Federer e Djokovic – a raça humana agradece


Djokovic fue el mejor de los dos en la final


Sou um apaixonado pela raça humana. Talvez, diante das barbaridades perpetradas em sua existência, eu seja, na verdade, um apaixonado pelas potencialidades humanas. Declino-me em reverência quando presencio demonstrações de virtuose como a de ontem (14) protagonizadas pelos tenistas Roger Federer e Novak Djokovic em Wimbledon.
Um jogo de quase cinco horas de duração entre dois dos maiores representantes do que o esporte pode proporcionar de melhor em sua essência obrigou-me a me revezar entre tarefas e pequenos prazeres corriqueiros do domingo e a tela da TV. Foram 67 games e três tiebreakers do mais alto nível técnico, da mais equilibrada disputa e daquela que talvez seja a mais cativante das características do esporte competitivo: a imprevisibilidade.
Federer esteve claramente perto de conquistar mais um título nas gramas inglesas por duas vezes, uma no quarto set e outra no quinto. Esta última, com duas chances seguidas e com a posse do saque. Bastava pensar que ali estava um dos maiores de todos os tempos, batendo a bolinha contra o chão com sua raquete, para imaginar que numa ou noutra tentativa a vitória viria. Mas do outro lado da rede estava (por mais que a expectativa em cima do suíço fizesse-nos esquecer deste detalhe) outro fenômeno. Em quatro ações perfeitas, Djoko devolveu a quebra de serviço e voltou ao jogo, ou melhor, apenas mostrou que sempre esteve nele.
O tempo passava e eu pensava: vão começar a se cansar e os erros vão aumentar, o jogo vai ficar feio tecnicamente e um deles vai acabar por entregar mais facilmente para o adversário a vitória. Qual o quê! Quanto mais o relógio rodava, mais a emoção tomava conta do público contido do tênis, mais as pessoas levantavam-se para vibrar com os pontos, mais os dois tenistas se superavam. Pontos que se alternavam em igual beleza, dificuldade, plástica e impossibilidade.
A raça humana se sublimava na excelência técnica de ambos, era como se a humanidade ali representada por dois de seus membros se reencontrasse com seu potencial evolutivo. Diante da carga emocional, do desgaste físico e cognitivo impostos pelo tempo e pela exigência de ações altamente precisas subsequentes e intensas, o ser humano superava seus limites e parecia mostrar que tudo é possível a quem se dedica tão intensamente a fazer algo.
Diante da grandeza do adversário, ambos sabiam que a quadra precisava ser reduzida e assim, as bolas estalavam nas linhas ou junto delas, morriam cheias de malícia junto à rede e tomavam efeitos incríveis que de pouco adiantavam diante da capacidade do outro de reverter a magia imediatamente no golpe seguinte.
Foi uma batalha real, entre humanos, por isso emocionante. O desempenho de Federer, que contava com a torcida da maioria – e minha também – foi quase perfeito, não fosse ele humano. A essência do termo corporeidade está justamente em entender o corpo humano em sua totalidade, em que todas as suas dimensões se acham conectadas e interdependentes. Não é possível colocar a engrenagem motora em ação sem desprezar a dimensão emocional ou a cognitiva ou a social, todas elas que se confundem e se embaralham quando se vai sacar para ganhar um título, ainda que estejamos falando de um Federer – ou de um Djokovic.
Foi o ser humano Roger que nos colocou de volta ao universo da falibilidade, da ansiedade e da afobação no momento em que esteve tão perto de fechar o jogo. Foi ele que nos mostrou, em sua essência humana, que talvez erremos e nos precipitemos quando nos damos conta que talvez aquela seja a última chance, pois a finitude é algo que transcende a maravilha (e talvez por isso, maravilhosa vida) de sermos humanos.
Num momento como este em que vivemos é mais que nunca preciso acreditar na raça humana e na sua capacidade de evolução.

Crédito foto: AFP in www.sport.es

Comentários

  1. O Esporte e a raça humana precisam de mais espetáculos como estes.

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  2. Me chamou a atenção a reação quase idêntica de quem ganhou e de quem perdeu. Tive a certeza de que estes dois tenistas tinham a consciência de que não importava muito perder ou ganhar, mas sim, em fazer parte de mais um momento inesquecível do Tenis.
    Djokovic, Federer, os privilegiados que assistiram a partida, te saúdam.

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