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A semifinal contra os carecas


Crédito foto: UOL

A história da semifinal contra os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 começou ainda na fase de classificação. Os norte-americanos jogavam contra o Japão e perdiam o quarto set por 14 a 13. O atacante Samuelson, em vez de ser punido com o cartão vermelho do árbitro – o que daria a vitória ao Japão no set por 15 a 13 e no jogo por 3 sets a 1 –, recebeu o segundo amarelo. O jogo prosseguiu e os Estados Unidos venceram por 3 a 2. No entanto, a Federação Internacional, em julgamento após a partida, reverteu o resultado.

O fato gerou revolta no elenco norte-americano que, solidário a Samuelson – careca por causa de um problema metabólico –, resolveu raspar a cabeça. Isso numa época em que ficar careca por iniciativa própria era no mínimo estranho. A partir dali, o time não perdeu mais nenhuma, batendo inclusive a campeã mundial Itália. Chegava à semifinal com mais força e contra a sensação da competição, a jovem e empolgada equipe brasileira.

O início no ginásio Sant Jordi não foi nada animador para os comandados de Zé Roberto Guimarães, 7 a 0 para os Estados Unidos no placar. Aliviando aos poucos o nervosismo, os erros foram diminuindo e perder o primeiro set por 15 a 12 não foi de todo ruim.

O segundo set mostrou que a seleção brasileira havia reencontrado o jogo que tanto despertara interesse dos torcedores aqui no Brasil e naqueles que foram à Espanha – com direito à presença do cineasta Spike Lee e do astro do Dream Team Magic Johnson na arquibancada. Inapeláveis 15 a 8, com discussões entre os jogadores separados pela rede.

O equilíbrio do terceiro set foi aos poucos pendendo para o lado canarinho e, entre mais xingamentos e muita velocidade nos ataques brasileiros, a parcial foi fechada favoravelmente em 15 a 9. Faltava apenas um set para chegar à final que já tinha a Holanda como uma das protagonistas. O time holandês, mesmo sem o levantador titular Blangé, havia batido Cuba horas antes.

A vitória parecia consolidada quando o Brasil conseguiu abrir 12 a 5. No entanto, o sonho que tomava a cabeça dos atletas começou a se transformar em pesadelo. Os norte-americanos empataram o quarto set em 12 a 12. E agora? O que poderia acontecer com aquela inexperiente seleção? Atormentar-se? Tremer? Entregar o jogo praticamente ganho? Que nada! Um saque de Marcelo Negrão e um erro de Scott Fortune selaram a ida daquele time que encantara o mundo para a final dos Jogos Olímpicos.

A final seria dali a dois dias, em 9 de agosto – há exatos 25 anos.


A memória contou com a ajuda do livro Vitória, de Cida Santos e Nicolau Radamés Creti, jornalistas competentíssimos que acompanharam todos os passos da equipe na temporada e transformaram em crônica os momentos mágicos que culminaram no primeiro ouro olímpico do vôlei brasileiro.

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