Pular para o conteúdo principal

Vôlei paulista testa regra para diminuir tempo de jogo

Uma análise sobre a validade da iniciativa – por Cacá Bizzocchi

Teve início neste final de semana um sistema experimental da pontuação do vôlei. O Campeonato Paulista servirá de laboratório para uma tentativa da Federação Internacional de diminuir o tempo de jogo. A medida pode ser estendida à Superliga. Em tempos de esporte patrocinado e tempo televisivo exíguo, até mesmo as duas horas e meia a que as partidas equilibradas foram reduzidas a partir de 1998 são exageradas.

Este ano a Rede Globo, após a exibição das finais da Superliga, reuniu algumas personalidades e autoridades do vôlei e foi bem clara: “Façam alguma coisa para diminuir o tempo de jogo, pois não dá para esticar a programação toda vez que a partida vai para cinco sets. Não podemos deixar outros anunciantes insatisfeitos quando a programação é atropelada pela transmissão ao vivo”. Como aparecer na emissora é a obsessão e desejo maior de quem estampa seu nome na camiseta de uma equipe, todos trataram de atender o objeto de desejo dos clubes.

E a estratégia escolhida foi abreviar a pontuação dos sets, que serão disputados até 21 pontos (com exceção do quinto, que continua igual). Toda vez que se anunciam mudanças, vozes dissonantes e consonantes tecem comentários muitas vezes baseados em suposições. Na condição de analista do voleibol, para não incorrer em falácias nem me deixar levar por conclusões frágeis, estudei os jogos da fase final (que demandam um equilíbrio razoável de forças) do campeonato italiano, tanto no masculino quanto no feminino, para fundamentar minha opinião.

Três questões básicas têm sido discutidas:
1º – alguns acham que muita coisa acontece do 21º ao 25º ponto e terminar os sets com antecedência pode alterar o vencedor;
2º – o tempo de jogo seria diminuído em sete minutos, em média, com a alteração; e
3º – a dinâmica do jogo seria modificada.
Quanto a esta última, haverá apenas uma adaptação que, com a prática, será rapidamente assimilada pelos jogadores.

Das quartas de final até as finais da Liga Italiana, as principais equipes daquele país disputaram 175 sets. Em 163 deles, a equipe que atingiu o 21º ponto antes do adversário venceu o set, enquanto em apenas 12 deu-se a virada. Ou seja, em apenas 6,9% dos casos a história mudou. Um dado complementar interessante é que desses 12 sets em que houve reviravolta no placar, em 9 deles quem sofreu a derrota acabou perdendo o set seguinte ou o jogo. O que incorre numa suposta fragilidade natural do derrotado em relação a seu adversário, o que mais cedo ou mais tarde, resultaria em derrota. Os outros 3 casos (1,7%) podem ser colocados na caixa do fortuito.

No feminino, a proporção é maior ainda em favor da mudança que se pretende: de 86 sets, ocorreram mudanças apenas em 4 deles (4,7%), e nenhum dos que sofreram a virada conseguiram reverter a desvantagem no set seguinte ou venceu o jogo. No masculino, o índice de viradas chegou a 9% (8 sets).

Outro detalhe curioso, dos 8 sets revertidos no masculino, 5 registravam o placar de 21x20, 2 de 21x19 e apenas 1 de 21x18. Em nenhuma outra situação houve virada. Ou seja, a reviravolta é praticamente inviável se o placar apontar uma diferença de mais de três pontos, sendo que no feminino, o placar de 21x18 não registrou nenhuma ocorrência de reversão.

Para efeito de comparação com os dados do parágrafo anterior, com o placar 21x20, quem vencia saiu-se ganhador em 13 oportunidades; quem vencia por 21x19 venceu 21 vezes; e quem dominava por 21x18 levou a melhor em 22 vezes.

Sendo assim, a primeira questão está mais que clara a favor da mudança. O número mínimo de ocorrências de viradas não torna a alteração “injusta”. Ao contrário do que supõe o senso comum, muita coisa acontece entre o 21º e o 25º ponto, mas nem tanto a ponto de mudar sistematicamente a sorte do set.

Quanto à segunda questão, a mera redução do contagem não alivia muito pouco o tempo de jogo. Por uma razão principal: não é o tempo de bola em jogo que prolonga o final dos sets, mas as paralisações. Entendendo que é quando o set aproxima-se de seu final que os treinadores procuram se valer das substituições e pedidos de tempo para manter ou mudar a sorte do set, essas paradas de jogo serão apenas antecipadas até o 21º ponto.

Voltando aos dados analisados, no ínterim estudado foram feitos 6 pontos pelas duas equipes em 18,3% dos sets (32); 7 pontos em 29,7% (52); e 8 pontos em 17,7% (31). Em média, aconteceram 8 pontos entre o ponto 21 e o final do set. De acordo com uma análise dos jogos do Grand Prix desta sexta-feira e sábado, cada ponto pode ser jogado entre equipes femininas (que mantêm a bola por mais tempo no ar) entre 17 e 36 segundos, sendo que a média é de 25 segundos por ponto. Portanto, 6 pontos (sem contar as interrupções) podem ser jogados em média em 2 minutos e 30 segundos; 7 pontos em quase 3 minutos; e 8 pontos em 3 minutos e 20 segundos.

Diante dessas comparações, podemos concluir que a economia de tempo com a alteração da regra pode alcançar entre 7 e 12 parcos minutos num jogo de quatro sets, em média. Sendo que em algumas partidas, a diferença será quase insignificante.

A mudança, a meu ver, só terá o resultado pretendido se algumas modificações forem atreladas a ela. Os pedidos de tempo deveriam ser excluídos, enquanto os tempos técnicos – criados originalmente para que a TV tivesse um minuto a dedicar aos comerciais, apesar dela não usá-los para isso – passarem a ser em número de três e com duração de 45 segundos, respeitados no 6º, no 12º e no 18º pontos. As substituições passariam a ser feitas sem a interrupção do jogo, por meio de uma papeleta entregue pelo assistente técnico ou pelo atleta que entra em quadra à controladora de líbero. A apontadora só a registraria durante as interrupções e a equipe que infringisse a regra seria punida com a perda dos pontos desde o momento da substituição irregular. Entrada e saída dos atletas seriam imediatas, assim como já acontece com o líbero.

Uma substituição chega a demorar meio minuto e não acontece em menos de 20 segundos; um tempo técnico, que deveria ser de 1 minuto, chega a 1 minuto e 30 segundos desde o ponto anterior consagrado e o apito do árbitro autorizando o próximo saque; o tempo para descanso, que é de 30 segundos, dura até 1 minuto e 15 segundos (base nos jogos do Grand Prix citados anteriormente).

Aí sim passaríamos a ter uma diminuição de até 15 minutos por set, com a agilidade que a arbitragem pode impor e mais uma alteração no tempo que o sacador teria disponível para realizar o saque, passando de 8 para 5 segundos, a FIVB chegaria a uma boa margem para oferecer às emissoras de TV e abrir uma ótima oportunidade a mais transmissões ao vivo e novas ofertas a patrocinadores em potencial.

E para que as outras fases (semifinais e quartas-de-finais) possam ganhar espaço na emissora, o sistema de playoff de duas partidas também vai ser aplicado. A exemplo do que ocorre na Liga dos Campeões da Europa, caso cada equipe ganhe uma partida e pelo mesmo placar, logo em seguida ao segundo jogo será disputado um “set de ouro”, eliminando assim a terceira partida e abrindo a possibilidade de transmissão ao vivo, com a certeza de que aquela é uma partida decisiva.

Comentários

  1. A globo sta está interferindo também nas regras do Voley,Se é menos tempo tbm deveria baixar os preços dos ingressos,Pq a glbosta não diminui o tempo do domingão do bostão e das novelas ridículas cheias de imoralidades

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva Carlos Eduardo Bizzocchi Este breve ensaio não pretende de maneira nenhuma esgotar o assunto tampouco se aprofundar num tema que exigiria conhecimentos mais sólidos sobre sociologia ou etnografia e também uma pesquisa mais ampla. Ele é, de certo modo, um convite à discussão sobre o preconceito racial e sobre o efetivo papel inclusivo do esporte. O futebol brasileiro começou a romper a barreira da exclusão racial já na década de 1920 e, em pouco tempo, várias agremiações com negros e brancos dividiam espaço nos campos e espaços públicos. Na Copa do Mundo de 1954, a divisão étnica entre os titulares era quase meio a meio. Enquanto isso, o voleibol do país fechava-se dentro de clubes tradicionais, redutos conservadores e particulares, sob regimentos internos ainda impregnados do preconceito racial sobrevivente de uma abolição da escravatura que completava pouco mais de meio século. Aceito

Coração e competência

Crédito foto: CBV A seleção brasileira de vôlei dispensou a calculadora e fez as duas melhores partidas do Grand Prix na última sexta-feira (21) e, principalmente, ontem (23). Enquanto muita gente fazia contas e duvidava da capacidade de jogadoras e comissão técnica, elas mostraram que ainda há lenha para queimar debaixo da brasa que sobrou sob as cinzas da Rio-2016. Duas condições interdependentes do vôlei serviram para impulsionar a equipe: quem não é bom em determinado fundamento precisa criar sua identidade em outro; e não dá para ser competitivo com um fundamento que esteja abaixo do aceitável. O sistema defensivo se aprimorou na defesa e o contra-ataque contou com uma dose reforçada de paciência e malícia, enquanto a recepção, que não é um primor, comportou-se dentro de um nível aceitável e não permitiu que o adversário se valesse de tal fragilidade. Com um rendimento invejável no bloqueio, as comandadas de José Roberto Guimarães se superaram contr

O fator T

O fator T T de Tiffany, de transexual, de testosterona Apesar do recesso de fim de ano, a Superliga feminina de vôlei continuou nas manchetes. Nos dois últimos jogos, em que defendeu o Vôlei Bauru (SP) como titular, a oposta Tiffany, primeira transexual a disputar o torneio nacional, fez 55 pontos em nove sets. Nas mesmas rodadas, a oposta da seleção brasileira Tandara fez 24 pontos em sete sets defendendo o Vôlei Nestlé. Tiffany até 2015 disputava o campeonato holandês masculino. Após cirurgia para mudança de sexo, tratamento para redução da produção de testosterona e consequente liberação da Federação Internacional, disputou a reta final da Liga Italiana A2 pelo Golem Palmi no começo de 2017. Sua participação por lá gerou críticas e até ameaças de recursos na justiça comum pelos adversários. O programa Roda de Vôlei já havia levantado a questão da participação de Tiffany entre as mulheres num esporte em que a potência muscular predomina e decide. Apoiados na opinião d