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As mudanças de regra do voleibol para 2013

Em abril de 2013, a FIVB resolveu cancelar a regra da qual trata o texto, por considerá-la inviável e não ter alcançado seu objetivo. As reclamações no Congresso técnico da entidade foram muitas e ela foi suspensa até que se comprovasse sua eficácia.

Mais uma vez, a Federação Internacional de Volleyball muda as regras de jogo. O Congresso de setembro que elegeu o brasileiro Ary Graça presidente da entidade estabeleceu, entre outras modificações menos impactantes, que não será mais permitido, a partir de 2013, cometer dois toques ao receber o saque adversário em toque por cima. Isso alterará significativamente a técnica e a tática coletiva.
Vale lembrar que antes do advento da manchete, o esporte se caracterizava pela habilidade dos atletas em se posicionar sob a bola para receber o saque em toque. Esta plasticidade é defendida por muitos saudosistas como marca de um voleibol mais técnico e bonito de se ver. A manchete, todavia, implantou uma nova e unânime maneira de recepção, a ponto de os árbitros punirem com rigor qualquer tentativa de realizá-la em toque por cima. Depois de atravessar quase quatro décadas como fundamento exclusivo para esta situação, ela perdeu espaço para o toque quando a FIVB liberou os dois toques para a primeira ação coletiva. Ou seja, o jogador podia tocar simultaneamente na bola, desde que numa só ação, toda a vez que ela viesse do campo adversário, seja em forma de saque ou ataque.
Como os sistemas de recepção já utilizavam dois para realizar a função para saques flutuantes, a utilização do toque na primeira ação resolvia um grande problema de otimização da ocupação de espaços. O jogador podia se colocar mais à frente e passar em toque – na verdade um novo fundamento de rebater com as mãos espalmadas – as bolas que eram dirigidas ao fundo da quadra, potencializando assim, o deslocamento para o ataque subsequente. Vários passadores se especializaram na função e ganharam espaço no mercado por causa da eficiência que aliava controle do toque por cima e posicionamento diferenciado. Esse foi também um dos motivos do saque “viagem” ganhar preferência, principalmente entre os homens.
A partir de 2013, esses atletas, se não se adaptarem, perderão espaço nas equipes. A tônica do treinamento técnico passará a ser deslocamentos eficientes, principalmente para a frente, e desenvolvimento das variações da manchete, preponderantemente a alta – aquela que é realizada na altura dos ombros. Tudo isso, logicamente, a um aumento da eficácia da ação de acordo com as novas exigências.
Creio que algumas tendências podem ser adiantadas. O saque flutuante em suspensão, também conhecido como “chapado”, deverá ser mais utilizado, pois é o que mais pode dificultar a recepção em manchete, devido à velocidade da bola e a possibilidade de variação – encurtando ou alongando a trajetória da bola –, obrigando o passador a se deslocar rapidamente. Impossibilitado de receber em toque, este atleta precisará recuar seu posicionamento expondo as regiões à sua frente. Em relação ao saque “viagem”, não haverá mudanças significativas, pois os três passadores já se posicionam de modo a facilitar a realização do passe em manchete, devido à violência do saque.
Em especial há três situações táticas que precisarão ser repensadas pelos técnicos. Nas formações de saída, há duas posições – a P5 e a P4, ou seja, as que o levantador está na posição 5 e 4, respectivamente – em que o ponteiro que normalmente não é o especialista em saques flutuantes fica exposto, em razão das imposições das regras de posicionamento dos jogadores. Nestes dois casos, o terceiro ponteiro ocupa uma faixa junto à linha lateral esquerda que pode ser buscada com mais frequência pelos sacadores pela posição 1. Como ele não pode abandonar a região antes do saque nem se posicionar muito recuado, pois não é um especialista no passe em manchete, ele ficará mais vulnerável.
Outro jogador que se vale do toque por cima para receber saques curtos é o atacante de meio. Com isso, ele não precisa recuar excessivamente para passar em manchete e alivia um pouco o trabalho dos passadores que deixam as regiões próximas à zona de ataque para ele. Com a impossibilidade de se receber em toque – mesmo não sendo proibido, haverá uma preocupação com a interpretação do árbitro – a divisão das responsabilidades precisará ser repensada.
O começo de 2013 será de muito trabalho para todos. Essa é uma alteração que não afeta a vida somente de ponteiros passadores e líberos, mas de todos os jogadores e da comissão técnica que precisará remodelar os princípios táticos da recepção, com respingos para a consequente formação ofensiva.
Ouso adiantar uma consequência indireta: os ralis serão mais longos e consequentemente os jogos, principalmente masculinos, terão maior duração. Com a diminuição da qualidade da recepção, os levantamentos passarão a ser mais previsíveis, facilitando a montagem dos bloqueios e possibilitando mais chances às defesas e aumentando o número de ações de contra-ataque.
E não mais se ouvirá nos ginásios lotados aquele “Ohohohoh” de reclamação toda vez que um atleta recebe o saque com as mãos espalmadas.
Aproveito para agradecer ao amigo Josebel Palmeirim, uma das referências na arbitragem nacional e internacional, pelo envio do material referente às mudanças.

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