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A seleção brasileira de vôlei é uma instituição – o Brasil também deveria ser



A seleção brasileira masculina de vôlei estreia amanhã (26) na terceira fase do Mundial contra a Rússia, ao meio-dia (horário de Brasília). A partida será transmitida ao vivo pelo SporTV. São dois grupos de três equipes – os Estados Unidos é o outro componente do grupo I – que lutarão por quatro vagas nas semifinais.
Para entendermos a significância do vôlei no cenário internacional, é preciso retornar à década de 1970, mais precisamente a 1977. O então presidente da Confederação Brasileira de Voleibol Carlos Arthur Nuzman decidiu concentrar a seleção juvenil masculina para a disputa do Mundial da categoria. Treinos intensivos, de acordo com as estratégias utilizadas pelas principais forças da época, e regime de dedicação exclusiva foram o segredo para a conquista da medalha de bronze. Desta ideia, agraciada com uma leva de craques incomparáveis, germinou a geração de prata. O profissionalismo não tardou a aterrissar no até então semiamador voleibol brasileiro.
E de 1981 a 2018, foram sucessões de atletas espetaculares que se alternaram e substituíram uns aos outros numa trajetória de afirmação e conquistas. Vieram os campeões olímpicos de 92, os que inauguraram a hegemonia do século XXI e os que conquistaram a Rio-2016. No Mundial da Itália e da Bulgária deste ano, estamos novamente entre os seis melhores do mundo. Desde 1978 isso acontece, e nenhuma outra seleção conseguiu tal feito no período.
Durante esta caminhada de glórias, alguns percalços e controvérsias levaram a questionamentos e dúvidas, mas jamais estes episódios conduziram o Brasil a um nível inferior ao alcançado. Quando vivemos o ocaso da geração de William, Montanaro, Xandó, Renan e Bernard, muitos torciam o nariz para os prováveis substitutos, mas surgiram Marcelo Negrão, Maurício Lima, Tande, Geovane e companhia. Depois do insucesso no Mundial de 1994, eles também foram questionados. Chegaram Giba, Nalbert, Gustavo, Ricardinho e Escadinha. Ah, mas quando esta geração começar a parar, o vôlei brasileiro entrará em declínio. E Bruninho, Lucão, Wallace, Lucarelli, Lipe e Maurício Borges abraçaram a causa, ainda que com mais suor que talento, como alguns avaliam.
A seleção brasileira de voleibol, incluindo a feminina, tornou-se uma instituição. A continuidade de Bernardinho e José Roberto Guimarães por quase todo este início de século, apesar de muito contestada por defensores da alternância de poder, foi fundamental para que ambas adquirissem uma estrutura institucional que pode hoje ter sua direção e suas peças substituídas, sem que a excelência seja comprometida.
Pode-se não morrer de amores pelas atuais formações, mas não se pode negar que qualquer profissional que faça parte de uma delas acabe por encarnar o espírito instituído, dedicar-se ao máximo e superar-se, impulsionados pela filosofia de trabalho implantada ao longo das últimas décadas. Uma instituição se forma a partir da seriedade e qualidade que as pessoas que por ela passaram lhe conferiram e preservaram. O voleibol brasileiro é hoje respeitado, temido e copiado por tudo que atletas, técnicos, preparadores físicos, auxiliares, assistentes, dirigentes e demais profissionais fizeram em prol da excelência enquanto defenderam as cores brasileiras sacando, atacando e defendendo.
Neste século, de quatro Mundiais, fomos três vezes campeões e uma vez, vice; nas quatro edições dos Jogos Olímpicos, foram dois ouros e duas pratas; de 19 edições da Liga Mundial (atual Liga das Nações), os brasileiros ficaram entre os quatro primeiros em 17; participamos de três Copas do Mundo, sendo primeiro em duas e terceiro na outra; de cinco Copas dos Campeões, vencemos quatro e ficamos com a prata em 2001. Apenas a União Soviética teve desempenho semelhante na história da modalidade, no século anterior.
Chegamos ao Mundial deste ano sem os dois ponteiros titulares das últimas conquistas e com alguns jogadores que muitos achavam que já deveriam ter se aposentado. São desfalques decisivos num esporte que prima no atual contexto pelo equilíbrio entre as equipes. E o Brasil está entre os seis melhores do mundo. A seleção brasileira de vôlei é uma instituição, não mais um grupo que se reúne para um evento, quem veste a camisa incorpora toda uma história e uma filosofia construída por tantos personagens ao longo de tempo.
Em época de eleições é importante que quem vota e quem é candidato lembre-se disso. Este país precisa tornar-se uma instituição respeitável, com a qual as sucessivas gerações tenham o devido respeito e dediquem-se a preservar todos os valores e políticas públicas instaurados por aqueles que se sucedem no poder. O Brasil é um Estado e não um governo, enquanto for o contrário, ninguém o respeitará e nunca chegaremos a conquistas expressivas em qualquer campo. Esperamos muito por aces, mas no vôlei a maioria dos pontos alcançados são frutos do esforço coletivo; os conseguidos em aces não chegam a 2% do total.

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