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Para não dizer que não falei do Federer

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Crédito: Bolamarela.pt

Impossível, para quem gosta de esporte e de escrever, não ter coceiras nas mãos após assistir à oitava conquista em Wimbledon de um dos monstros do tênis. Difícil também não cair no lugar comum dos elogios fartos e da idolatria. Por esta razão vou ter um pouco de parcimônia, sem vergonha de confessar, no entanto, a tietagem explícita que tentarei sufocar.

Em tempos de personalidades fugazes e exigências por estereótipos juvenis – na maioria das vezes mantido à base de efeitos especiais –, Federer é o careta, quase vovô, casado, nem feio nem bonito, de modestas aparições e que faz o que se propôs a fazer com muita determinação e sem pirotecnia midiática. É aquele que sabe que a excelência se conquista vencendo o fastio do dia a dia, na solidão do treinamento duro e na insistência quase ininteligível de quem já poderia deixar de conviver com dores, despertadores, fisioterapias, suor e respiração ofegante em boa parte do dia.

Abnegação que conta com um suporte fácil quando se é solteiro, jovem e sem compromissos afetivos muito sérios. Suporte este que se torna oscilante ao adentrar no campo do casamento, da paternidade, do recrudescimento do número de contusões e do tempo de recuperação. Em 2016, Federer sofreu um acidente doméstico enquanto cuidava de um de seus filhos pequenos. Ficou seis meses inativo e tinha todas as justificativas para encerrar a carreira e aproveitar os louros e dólares que a carreira vitoriosa lhe concedera.

Qual o quê! Sua mulher, ao contrário do esperado, disse-lhe que não o deixaria se aposentar por aquele motivo e naquelas circunstâncias. Não seria por causa do filho e em baixa que o mito abriria mão de toda uma história de determinação para abraçar a comodidade e a resignação.

E Federer voltou. Mais forte ainda. Um campeão não se faz sozinho. As pessoas que estão ao seu lado são responsáveis também pelo sucesso do campeão. É preciso paz de espírito e reconhecimento pelo respeito e admiração por parte de quem abre mão de interesses particulares que poderiam ser perfeitamente aceitos para impulsionar a identidade e a essência do outro. Esses são os verdadeiros vínculos que se estabelecem na vida.

E, por fim, a liberdade da escolha. A certeza da opção certa, de quem atinge a maturidade, sabe ler seu corpo e suas necessidades e abre mão da temporada no saibro para se preparar melhor para a grama sagrada de Wimbledon. Contrariando os empiristas de plantão que apostavam que Federer seria traído pela falta de ritmo, ele não só conquistou o título como se igualou a outro monstro – Bjorn Borg –, não pedendo um set sequer.


A qualquer momento Federer pode parar. Sem se importar se existem recordes a serem batidos, marcas a serem atingidas. E se despedirá elogiando os adversários que foram derrotados por seu talento, agradecendo aos que o apoiaram e sumindo de cena, sem sentir falta dos refletores, pois a luz dos grandes campeões não vem de fora, do palco ou dos paparazzi. Ela vem do direito de ser livre para fazer escolhas.

Comentários

  1. Federer é sem dúvidas o melhor tenista da história e com certeza um dos esportistas mais preciosos da história dos esportes como um todo. Sou seu fã. Ótimo texto Cacá. Ele é um gênio dentro e fora das quadras, um verdadeiro exemplo.

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