Pular para o conteúdo principal

O vôlei feminino do Brasil antes das medalhas de ouro



Este é o sexto de uma série de textos para acompanhar a contagem regressiva até a estreia do voleibol brasileiro nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Antes das medalhas de ouro de Pequim e Londres, muita água rolou por debaixo da ponte - ou muita bola passou por debaixo da rede. Conheça a trajetória das equipes femininas que antecederam as campeãs.

A história do vôlei brasileiro feminino nos Jogos Olímpicos mostra que a evolução das equipes a partir da primeira participação prenunciava os momentos gloriosos que viveríamos em Pequim e Londres. Ao contrário do masculino, a seleção brasileira só veio a fazer parte da competição em 1980. E mesmo assim, por causa do boicote do bloco capitalista ao qual o Brasil não aderiu.

Substituindo os Estados Unidos, a seleção brasileira foi a Moscou com a esperança de não fazer feio. A seu favor, diante das forças comunistas, tinha a vontade de um grupo jovem e os resultados do último Campeonato Mundial, em que ficara à frente de dois países que fariam parte de seu grupo na fase de classificação: Hungria e Bulgária – esta, inclusive fora batida pelas brasileiras por 3 sets a 2 em 1978.

Ênio Figueiredo, treinador carioca que dirigia à época o Flamengo, contava entre as principais jogadoras, com as ponteiras Fernanda Emerick, Isabel Salgado e Vera Mossa, além da levantadora Jacqueline Silva – que viria a ser medalhista de ouro na praia em Atlanta-96. Fernanda tinha 22 anos; Isabel, 20; Jackie, 18; e Vera não havia completado 16 anos. Todas elas viriam a se tornar referência na modalidade e formariam a base das seleções seguintes.

Na capital russa, as brasileiras perderam da Bulgária por 3 a 0 e fizeram duas boas partidas contra Romênia e Hungria, deixando escapar a vitória apenas no quinto set. Com estes resultados, restou a disputa de 5º a 8º. Depois de perder feio (15 a 2, 15 a 5 e 15 a 6) da forte equipe de Cuba, que só não disputou medalhas porque o grupo A era muito mais forte que o B, o Brasil disputou a 7ª colocação contra a Romênia. E dessa vez devolveu com juros a derrota na primeira fase – 3 a 0 – deixando a lanterna do torneio com as adversárias.

Quatro anos depois, outro boicote político fez com que o Brasil participasse dos Jogos de Los Angeles, desta vez substituindo a campeã olímpica União Soviética. Com Ênio, Isabel, Fernanda, Vera e Jackie mais experientes e sem as principais forças comunistas como adversárias, a esperança era de uma melhor participação. No entanto, a expectativa não se confirmou e a seleção perdeu as três partidas da primeira fase: 3 a 0 para a Alemanha Ocidental, 3 a 0 para a China e 3 a 2 para as norte-americanas. Na disputa de 5º a 8º, a derrota para a Coréia do Sul fez com que a única chance fosse repetir a 7ª colocação de Moscou. E foi o que aconteceu, depois de fácil vitória contra o fraco Canadá.

Em Seul, depois de perder a vaga para os Jogos para a União Soviética no Pré-Olímpico, o Brasil teve mais uma vez sua participação condicionada a um convite, desta feita para substituir Cuba, que se recusou a ir à Olimpíada. Treinada por Jorge Barros, a equipe-base tinha Ana Richa, Vera Mossa, Ana Cláudia, Eliane, Sandra e Fernanda Venturini. Jack e Isabel, em litígio com a CBV, não foram convocadas. Entre as reservas, uma jovem que viria a ser uma das melhores de todos os tempos, Ana Moser, de 20 anos, além de Márcia Fu, de 19.

A fase de classificação foi um repeteco de Los Angeles: três derrotas, 3 a 1 para a China, 3 a 0 para o Peru e, novamente, 3 a 2 para os Estados Unidos. E lá foram as brasileiras disputar de 5º a 8º. No entanto, o confronto com a mesma Coréia do Sul foi, desta vez, favorável ao Brasil, fazendo com que a seleção avançasse um degrau na classificação. Apesar da derrota para a Alemanha Oriental na disputa do 5º lugar, o Brasil chegava a seu melhor resultado em Olimpíadas: 6º.

Faltava conseguir a vaga nos Jogos por méritos próprios. E ela veio para Barcelona-92, depois da conquista do Sul-Americano. Wadson Lima, devido a problemas de relacionamento com algumas atletas, renovou o grupo e convocou a base do primeiro bronze de quatro depois. Hilma, Ana Paula, Leila, Fofão e Ana Flávia juntaram-se a Ana Moser, Fernanda Venturini e Márcia Fu e levaram a seleção à primeira disputa por medalha.

Logo na fase de classificação, o Brasil mostrou que não estava mais como figurante. As vitórias contra Holanda (3 a 1) e China (3 a 2), apesar da derrota para Cuba por 3 a 1, deram às brasileiras a chance de disputar uma medalha olímpica pela primeira vez na história. Para isso, de acordo com o regulamento, precisaria vencer o 3º lugar do grupo A, o Japão. Os 3 a 1 nas japonesas colocaram o Brasil na semifinal.

No entanto, a derrota para as soviéticas por 3 a 1 e, depois, para os Estados Unidos na disputa do bronze, por 3 a 0, deixaram o Brasil fora do pódio. Mesmo assim, foi a melhor colocação até então, creditando confiança na nova geração que se formava.

Para contornar os problemas entre comissão técnica e atletas que não se resolvia depois de Seul, Bernardo Rezende assumiu a seleção para a disputa do Mundial de 1994 no Brasil. O vice-campeonato encheu de otimismo os torcedores e a equipe, que rumou para Atlanta como favorita a conquistar uma medalha olímpica.

A campanha na fase de classificação não deixou dúvidas do poderio das brasileiras. Com cinco vitórias e apenas um set perdido, o Brasil ficou à frente de Rússia e Cuba e encarou a Coréia do Sul nas quartas-de-final. Mais uma vitória por 3 a 0. No entanto, o cruzamento da semifinal reservava às brasileiras as mais contumazes e temidas adversárias das últimas competições, as cubanas. No Mundial, deu Cuba na final; na Copa do Mundo, Brasil em segundo e Cuba em primeiro; no Grand Prix, as posições se inverteram; em Montreux, o Brasil venceu Cuba na final em 1995 e Cuba deu o troco no ano olímpico. Restava saber como seria em Atlanta.

Num jogo emocionante e tenso até o último lance, o Brasil levou a melhor no primeiro e no terceiro sets (15 a 5 e 15 a 10, respectivamente), enquanto Cuba venceu o segundo e o quarto set (15 a 8 e 15 a 13). Num quinto set de muitas provocações e até briga que foi parar na delegacia, com direito a boletim de ocorrência, Cuba fechou em 15 a 12 e avançou à final, enquanto restou às brasileiras a briga pela medalha de bronze inédita.

Mais um jogo de arrebentar com os nervos em que uma heroína improvável foi fundamental para a conquista do primeiro bronze. A oposta Filó saiu do banco de reserva para destruir as russas no quinto set (15 a 13).

A segunda medalha veio em Sydney-2000. A expectativa pela inédita final desmoronou mais uma vez contra as cubanas na semifinal. O tropeço das cubanas contra as russas na primeira fase fez com que ambas se encontrassem antes da final. O Brasil foi implacável mais uma vez na classificação: campanha invicta e somente um set perdido, para os Estados Unidos. Nas quartas, novo 3 a 0, contra a Alemanha.

Entretanto, o filme de Atlanta se repetiu: vitória brasileira no primeiro set, Cuba empata, o Brasil ganha o terceiro, as cubanas igualam o placar na quarta parcial. E no quinto set, mais uma vez, deu Cuba (15 a 9). Enquanto Cuba levava seu terceiro título seguido contra a Rússia, o Brasil batia fácil as norte-americanas e ficava novamente com o bronze, na última participação de atletas importantes deste ciclo, como Ana Paula, Ana Flávia, Leila, Ana Moser, Márcia Fu e Ida.

A substituição de Marco Aurélio Mota – que entrara no lugar de Bernardinho – por Zé Roberto Guimarães proporcionou a volta das principais jogadoras brasileiras que haviam se recusado a seguir com o novo treinador. Para Atenas-2004 retornaram Fernanda, Walewska, Elisângela e Fofão, que se juntaram-se a Virna, Valeskinha e à novata Mari.

Pela terceira vez seguida, o Brasil fechava a fase de classificação como primeiro do grupo. O encontro nas quartas-de-final seria contra os Estados Unidos, vice-campeão mundial dois anos antes. Depois de um jogo de quase duas horas e meia e cinco sets, o Brasil chegava pela quarta vez seguida a uma semifinal olímpica.

O quarto set do jogo contra a Rússia anunciava a final inédita. No placar, 24 a 19 para as brasileiras. Bastava uma bola no chão, um erro das russas, uma explorada de bloqueio. Esse ponto não veio e a Rússia levou o jogo para o quinto set, depois de fazer 28 a 26. No tiebreaker, o Brasil esteve à frente do marcador quase o tempo todo. Fez 11 a 9, 13 a 11, mas perdeu por 16 a 14.

A disputa pelo bronze esteve longe de ter um time motivado em quadra. O resultado foi a derrota por 3 a 1 para... Cuba e um quarto lugar que ficou marcado de forma frustrante para muitos.

A conquista dos dois ouros já foi relatada no texto nº 5 de 27 de maio e a campanha do Rio-2016 ainda está fresca na memória de todos. Vamos aguardar Tóquio e ver como os deuses do Olimpo escrevem este novo capítulo na história do vôlei feminino.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Coração e competência

Crédito foto: CBV A seleção brasileira de vôlei dispensou a calculadora e fez as duas melhores partidas do Grand Prix na última sexta-feira (21) e, principalmente, ontem (23). Enquanto muita gente fazia contas e duvidava da capacidade de jogadoras e comissão técnica, elas mostraram que ainda há lenha para queimar debaixo da brasa que sobrou sob as cinzas da Rio-2016. Duas condições interdependentes do vôlei serviram para impulsionar a equipe: quem não é bom em determinado fundamento precisa criar sua identidade em outro; e não dá para ser competitivo com um fundamento que esteja abaixo do aceitável. O sistema defensivo se aprimorou na defesa e o contra-ataque contou com uma dose reforçada de paciência e malícia, enquanto a recepção, que não é um primor, comportou-se dentro de um nível aceitável e não permitiu que o adversário se valesse de tal fragilidade. Com um rendimento invejável no bloqueio, as comandadas de José Roberto Guimarães se superaram contr

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva Carlos Eduardo Bizzocchi Este breve ensaio não pretende de maneira nenhuma esgotar o assunto tampouco se aprofundar num tema que exigiria conhecimentos mais sólidos sobre sociologia ou etnografia e também uma pesquisa mais ampla. Ele é, de certo modo, um convite à discussão sobre o preconceito racial e sobre o efetivo papel inclusivo do esporte. O futebol brasileiro começou a romper a barreira da exclusão racial já na década de 1920 e, em pouco tempo, várias agremiações com negros e brancos dividiam espaço nos campos e espaços públicos. Na Copa do Mundo de 1954, a divisão étnica entre os titulares era quase meio a meio. Enquanto isso, o voleibol do país fechava-se dentro de clubes tradicionais, redutos conservadores e particulares, sob regimentos internos ainda impregnados do preconceito racial sobrevivente de uma abolição da escravatura que completava pouco mais de meio século. Aceito

A semifinal contra os carecas

Crédito foto: UOL A história da semifinal contra os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 começou ainda na fase de classificação. Os norte-americanos jogavam contra o Japão e perdiam o quarto set por 14 a 13. O atacante Samuelson, em vez de ser punido com o cartão vermelho do árbitro – o que daria a vitória ao Japão no set por 15 a 13 e no jogo por 3 sets a 1 –, recebeu o segundo amarelo. O jogo prosseguiu e os Estados Unidos venceram por 3 a 2. No entanto, a Federação Internacional, em julgamento após a partida, reverteu o resultado. O fato gerou revolta no elenco norte-americano que, solidário a Samuelson – careca por causa de um problema metabólico –, resolveu raspar a cabeça. Isso numa época em que ficar careca por iniciativa própria era no mínimo estranho. A partir dali, o time não perdeu mais nenhuma, batendo inclusive a campeã mundial Itália. Chegava à semifinal com mais força e contra a sensação da competição, a jovem e empolgada equipe brasile