Um vírus fez com que retornássemos à menor célula social: a
família. Em vias de extinção na sociedade atual, eis que precisamos nos trancar
em casa com aqueles que passam a fazer parte de um diminuto círculo de
confiança e convivência obrigatória. E sabe-se lá por quanto tempo.
Não somos uma geração acostumada a conviver com situações de
reclusão e racionamento, pois não vivemos as grandes guerras que nossos pais,
avós ou bisavós (alguns) viveram. São tempos de buscar refúgio em nossos
bunkers para não sermos atingidos pelo inimigo. Inimigo que não faz barulho e
nem tem rosto, que se esconde por onde nem nossos olhos nem nossos narizes
conseguem perceber.
Amedrontador, angustiante. Tempos difíceis. Todos estamos
alterados emocionalmente e precisamos, ao mesmo tempo, conviver com as pessoas
que chamamos de nossas, mas tínhamos até o começo desta semana tão pouco
contato. Do que brincar com o filho de sete anos? O que fazer para que o bebê
de um ano pare de chorar? Sobre o que conversar com uma adolescente de 15 anos?
E como fica o contato com o jovem de 19 que você havia rompido relações?
É preciso (re)descobrir tais relações. Não é possível bater
a porta e ir embora. Não há mais escapatória, mesmo que um ou outro se tranque
no quarto, haverá vários esbarrões pela casa. Mais que isso, haverá encontros propositais,
para aplacar a ansiedade, para dirimir a dor da solidão planetária ou da possibilidade
da própria morte. E será, então, preciso recolher essas pessoas nos braços da
compreensão e do carinho.
Conversemos sem receio sobre o medo se entranhou em todos
nós, sejamos compreensivos com as diferentes atitudes, controlemos nossas reações
mais exaltadas, joguemos fora as pedras que sempre atiramos, acolhamos o outro
sem julgamentos. Sem isso, morreremos de tédio e vergonha, e não da Covi-19.
Quando tudo passar, teremos de volta uma relação que o novo
modo de vida havia esgarçado. Teremos resgatado relações que julgávamos
perdidas, teremos construído uma imagem real da pessoa com a qual sempre desejamos
que fosse algo próximo de uma idealização egoísta.
Quando tudo passar, talvez não tenhamos tempo para dar colo,
carinho e aceitação àqueles que retomarão suas vidas, mas jamais se esquecerão
do tempo em que foram reaproximados. E aos quais seremos sempre gratos por nos
mantermos vivos.
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