Pular para o conteúdo principal

Uma final, um campeonato. Entre a frustração e o sucesso.


Crédito foto: FIVB

Uma das piores vivências no esporte competitivo é chegar a uma final e não conseguir render da maneira que o possibilitou chegar até ali. A finalíssima de ontem (30) do Mundial masculino de voleibol contra a Polônia foi decepcionante para atletas, comissão técnica e torcedores. Quando isso acontece, é difícil digerir a derrota. A frustração preenche as análises imediatas e quase nunca pensamos no caminho vitorioso que foi trilhado anteriormente. A sensação de que a “final” verdadeira foi a semifinal entre poloneses e norte-americanos (que ficaram com o bronze ao bater a Sérvia por 3 a 0) é angustiante.
Tirando os erros naturais de início de um jogo decisivo, o primeiro set foi decidido nos detalhes que sabíamos que iriam ser imperiosos para indicar o campeão. Esperávamos uma partida equilibrada e assim foi (28 a 26). No entanto, o segundo set teve um domínio constante dos poloneses, que se mantiveram à frente graças a um ótimo rendimento de Kurek no ataque e de um volume de jogo coletivo impressionante, comandado pelo excepcional líbero Zatorski. Foi o set mais fácil e foi o momento em que o Brasil começou a se desesperar e permitir que a razão fosse trocada por aquele enganoso sentimento de que o que faltava era disposição.
Se o bloqueio não funciona e a defesa não consegue trabalhar, isso é uma questão tática, não psicológica. E precisa ser corrigida com interferências cirúrgicas, claras e imediatas. Quando cada um tira da própria cabeça como deve marcar o adversário, todo o sistema fica comprometido e não há garra que corrija tal desvio. E o Brasil passou todo o terceiro set sem encontrar a maneira adequada de marcar o até previsível time polonês, ou de facilitar as marcações com saques mais dirigidos em Szapulk, em não em Zatorski e Kubiak.
Enquanto isso, os poloneses continuavam apostando na disciplina tática. Um suspiro ainda veio com a entrada de Éder no saque, que conseguiu injetar uma esperança de virada com três ótimas ações. Mas era tarde, a Polônia estava em quadra como autêntica campeã e assim terminou a 19ª edição da competição. Igualou-se ao Brasil e à Itália com três títulos mundiais.
Um dia depois, a análise é naturalmente mais fria e o todo pesa na avaliação. Tivemos dificuldades sérias por causa de cirurgias e recuperações decorrentes que impediram a ida de Lucarelli e Maurício Borges ao torneio, além da preparação intermediada com um processo de reabilitação de Lipe e Maurício Souza. Qualquer equipe se ressente da ausência de dois ponteiros nesse nível. A Polônia, quando não teve Kubiak, perdeu da fraca Argentina. Lucas Loh não vinha sendo sequer convocado, e foi titular em algumas situações. Kadu estreou em convocações. Mesmo assim, fomos vice-campeões e mantivemos o Brasil entre os dois primeiros nas principais competições do voleibol internacional (Mundial e Jogos Olímpicos) por todo o início deste século. De 2002 a 2018, chegamos à final de nove dos nove torneios.
Se há descontentamento de alguns com Renan dal Zotto ou alguns atletas, isso não pode interferir numa avaliação sincera de um trabalho contínuo de sucesso. Diante dessas dificuldades e do fato de Estados Unidos, Sérvia, Rússia, Itália e França terem ficado para trás, é mais justo considerar que não fomos tão bem quanto poderíamos na final, mas não no campeonato.
Douglas Souza e Lucão fizeram parte da seleção do torneio. De reserva que sequer entrou em quadra na Rio-2016 e titular contestado do SESI-SP nas últimas temporadas, Douglas parece ter amadurecido de uma hora para outra. Teve momentos de ansiedade no início da partida contra a Rússia e ontem, mas mostrou que pode junto com Lucarelli ou Maurício Borges formar uma dupla de ponteiros das mais fortes para os próximos anos.
Além dos brasileiros, compuseram a seleção do Mundial, os poloneses Kubiak (ponta), Nowakowski (meio) e Zatorski (líbero), além dos norte-americanos Anderson (oposto) e Christenson (levantador). O MVP foi Bartosz Kurek.
Uma declaração do técnico belga campeão Vital Heynen chamou a atenção: “outros técnicos têm grandes jogadores, eu tenho um grande time”. Isso não é um novidade, mas continua sendo a chave do sucesso numa modalidade coletiva.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Coração e competência

Crédito foto: CBV A seleção brasileira de vôlei dispensou a calculadora e fez as duas melhores partidas do Grand Prix na última sexta-feira (21) e, principalmente, ontem (23). Enquanto muita gente fazia contas e duvidava da capacidade de jogadoras e comissão técnica, elas mostraram que ainda há lenha para queimar debaixo da brasa que sobrou sob as cinzas da Rio-2016. Duas condições interdependentes do vôlei serviram para impulsionar a equipe: quem não é bom em determinado fundamento precisa criar sua identidade em outro; e não dá para ser competitivo com um fundamento que esteja abaixo do aceitável. O sistema defensivo se aprimorou na defesa e o contra-ataque contou com uma dose reforçada de paciência e malícia, enquanto a recepção, que não é um primor, comportou-se dentro de um nível aceitável e não permitiu que o adversário se valesse de tal fragilidade. Com um rendimento invejável no bloqueio, as comandadas de José Roberto Guimarães se superaram contr...

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva

Negros e negras no voleibol olímpico brasileiro – uma análise sociodesportiva Carlos Eduardo Bizzocchi Este breve ensaio não pretende de maneira nenhuma esgotar o assunto tampouco se aprofundar num tema que exigiria conhecimentos mais sólidos sobre sociologia ou etnografia e também uma pesquisa mais ampla. Ele é, de certo modo, um convite à discussão sobre o preconceito racial e sobre o efetivo papel inclusivo do esporte. O futebol brasileiro começou a romper a barreira da exclusão racial já na década de 1920 e, em pouco tempo, várias agremiações com negros e brancos dividiam espaço nos campos e espaços públicos. Na Copa do Mundo de 1954, a divisão étnica entre os titulares era quase meio a meio. Enquanto isso, o voleibol do país fechava-se dentro de clubes tradicionais, redutos conservadores e particulares, sob regimentos internos ainda impregnados do preconceito racial sobrevivente de uma abolição da escravatura que completava pouco mais de meio século. Aceito ...

A semifinal contra os carecas

Crédito foto: UOL A história da semifinal contra os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 começou ainda na fase de classificação. Os norte-americanos jogavam contra o Japão e perdiam o quarto set por 14 a 13. O atacante Samuelson, em vez de ser punido com o cartão vermelho do árbitro – o que daria a vitória ao Japão no set por 15 a 13 e no jogo por 3 sets a 1 –, recebeu o segundo amarelo. O jogo prosseguiu e os Estados Unidos venceram por 3 a 2. No entanto, a Federação Internacional, em julgamento após a partida, reverteu o resultado. O fato gerou revolta no elenco norte-americano que, solidário a Samuelson – careca por causa de um problema metabólico –, resolveu raspar a cabeça. Isso numa época em que ficar careca por iniciativa própria era no mínimo estranho. A partir dali, o time não perdeu mais nenhuma, batendo inclusive a campeã mundial Itália. Chegava à semifinal com mais força e contra a sensação da competição, a jovem e empolgada equipe brasile...