Acompanhei
os Jogos Olímpicos partida a partida. A cada vitória brasileira se reforçava a
impressão de que a nova chance com a qual os outros me confortavam diante da
decepção do corte jamais aconteceria. Pode haver outras oportunidades, mas não
uma “nova”. As coisas só acontecem invariavelmente uma única vez no tempo e no
espaço. A chance é aquela. Como disse Heráclito: “Um homem não se banha duas
vezes no mesmo rio porque nunca é o mesmo homem e nunca é o mesmo rio”.
Havia
pensado até em ir a Barcelona por conta própria, bancando passagem, hospedagem,
ingressos. Mas o orgulho falou mais alto. Trabalhara para aquilo, queria ir
como profissional, não como turista. Eu não admitia ter de pagar para aplaudir
uma conquista que eu ajudara a construir com suor diário. Lembrei de minhas
argumentações derradeiras, tentando reverter a decisão. As justificativas por
parte do supervisor eram de que não havia lugar na Vila Olímpica e, mesmo que
ficasse fora da vila, não me seria possível entrar lá nem participar dos
treinamentos. Cheguei a fazer contas de quanto eu gastaria, mas sempre o
orgulho retirava minha mão do bolso.
Todos
em casa ainda dormiam naquela manhã de domingo, nove de agosto. Deixei a TV
quase muda, menos por respeito a quem dormia do que a meus sentimentos. Queria
assistir sozinho à partida final contra a Holanda. A cada ponto me sentia mais
inútil e dispensável. O ouro se aproximava e um misto de alegria e frustração
tomava meu corpo e me imolava. Jogamos como nunca. Antes mesmo do último ponto,
eu já estava ajoelhado em frente ao aparelho, chorando como um garoto. O choro
acordou meu irmão, que desceu preocupado, com cara de sono, sem saber o que
tinha acontecido.
Fomos campeões olímpicos. Foi a maior alegria profissional
até então, tão grande quanto a decepção de não ter ido à Espanha, de ter as asas
cortadas na hora de alçar voo. Dois sentimentos muito fortes e antagônicos
dentro de um coração apertado de felicidade e frustração. Não existiria outra
vez. Poderiam vir outras Olimpíadas, mas essa não voltaria mais. O gosto do
bolo só pôde ser imaginado, os sons da festa não ficarão na memória auditiva,
como se ela estivesse ocorrendo dentro de um enorme aquário e eu, sozinho,
assistindo do lado de fora, querendo abraçar todos através do vidro, correndo e
pulando de alegria em volta; um voyeur
alucinado, envolvido unicamente por seu próprio silêncio e solidão.
Durante
muitos anos me senti um autêntico campeão olímpico. Alguns amigos me
consideravam assim, mas muitos profissionais do vôlei, com certa razão, nunca
admitiram esse título, pois quem não esteve lá não poderia se considerar
campeão. Campeão olímpico é quem esteve presente às Olimpíadas! Por muito
tempo, considerar-me campeão me consolava. Hoje, meu currículo não tem mais
este título entre as conquistas. “Assistente-técnico da seleção adulta
masculina campeã olímpica em Barcelona” creio que satisfaz os julgamentos. Não
quer dizer que me considere um medalhista, mas ninguém pode negar que tive uma
função na conquista daquele grupo.
A
chegada da equipe ao Brasil com o ouro no peito foi apoteótica. Em vez de ir ao
Aeroporto de Cumbica, fui até o Batalhão Tobias Aguiar, na avenida Tiradentes,
no centro de São Paulo, de onde sairia o carro de bombeiros pelas ruas da
cidade com os atletas. A adrenalina ainda não havia baixado e a euforia tomava
meu corpo. Os jogadores me receberam com festa e Zé Roberto fez questão de me
colocar no carro, explicando aos oficiais que estranhavam meu traje social:
“ele também é campeão olímpico”. Desfilar pelas ruas da capital junto do grupo
foi um resgate, de certa forma.
A
receptividade do povo foi impressionante. A Avenida 23 de Maio parou nos dois
sentidos, motoristas saíam dos carros para aplaudir a seleção que passava e
pedestres se debruçavam nos viadutos com bandeiras brasileiras e faixas, num
espetáculo emocionante. Enquanto todos vestiam o uniforme, um boné promocional
amarelo do Banco do Brasil era a única identificação com o grupo. Na mesma
condição estavam Gilda Teixeira e Sandra Caldeira, responsáveis pela estatística
e pelas filmagens, que também ficaram no Brasil, além de alguns “papagaios de
pirata” burocráticos.
Da
maioria das festividades quase diárias fui ignorado. Compareci às homenagens
realizadas em São Paulo, onde podia me deslocar por conta própria. Algumas
semanas depois, a Confederação lançou um livro comemorativo à conquista, com
fotos e textos. Nenhuma menção foi feita à minha participação. A FPV entregou a
vários técnicos do Estado de São Paulo uma placa prateada parabenizando-os
pelos serviços prestados ao voleibol brasileiro campeão olímpico. Entre eles,
fui um dos homenageados. Por intermédio do amigo José Frascino, o Panathlon de
São Paulo reuniu medalhistas olímpicos de várias épocas e me relacionou como
campeão olímpico, indistintamente. Por tudo isso, não me sinto plenamente
campeão e sempre corrijo o orador – desde que minha interferência não o
constranja – quando este afirma que eu estive em Barcelona.
Você É campeão Olímpico , aquele garçom não é. Punto Basta ... Ari Grassia .
ResponderExcluirAhahahha. Boa Ari. Acharam que vc era o presidente da FIVB. Rsrsrsrs
ResponderExcluirJá perguntaram se eu seria preso , que tinham ouvido meu nome no rádio . E o semi-xará continua circulando pelo mundo .
ExcluirJá perguntaram se eu seria preso , que tinham ouvido meu nome no rádio . E o semi-xará continua circulando pelo mundo . Ari (gostaram do meu Punto Basta) .
Excluircertamente viajaram inúteis sanguessugas nos lugares que seriam teu, da Gildinha e de Sandra... E quer saber? foi o programa mais sem graça de todos. Nem aquele, com aquele árbitro nojento cujo nome nem menciono, foi tão sem emoção, tão "alegria fake". Sou fã do teu trabalho e fiquei indignada. Punto Basta.
ResponderExcluirEliane, que você preserve sua sinceridade sempre! Rsrsrs
ExcluirQuero contar sempre com ela!
Abraços