Imagem retirada de http://novasfronteiras-us.blogspot.com.br
Em maio de 1997 Paulo Freire saía de cena e deixava sua obra
a quem quisesse levá-la a sério. De lá para cá, muito se falou do mais premiado
brasileiro no exterior com títulos de Doutor Honoris Causa, tanto para o bem
quanto para tentar denegrir seu legado. A ala mais à esquerda, apesar do puxão
de orelha do mestre ao final da vida, continua agarrada a sua pedagogia, apesar
de radicalizá-la mais do que seu criador gostaria, enquanto o lado liberal dispara
críticas inconsistentes à filosofia freiriana.
A verdade é que o “velhinho” faz muita falta e nunca foi tão
útil ao entendimento do contexto que vivemos nestas paragens, assim como deve
ser resgatado na busca por um horizonte menos sombrio. Aliás, se um pouco do
que Freire pregava fosse colocado em prática naquela época – para não nos
estendermos ao lançamento de suas teorias –, teríamos uma população na faixa
dos 30 anos que poderia, como ele imaginava, capaz de promover a transformação.
A formação crítica capaz de transformar a sociedade desigual
e reorganizar o mundo foi deixada de lado, ignorada, ridicularizada em troca de
uma crescente importância à preparação para o mercado de trabalho e ao depósito
(a escola bancária, como ele gostava de classificar o ensino conservador de um
professor que se limitava a despejar conteúdos curriculares aos alunos) de
informação que não necessariamente seria assimilada nem mesmo utilizada na vida
diária.
Um pouco da resistência às metodologias de Freire deve-se
muito ao educentrismo que se instalou equivocadamente. A escola não se basta
para solucionar os problemas do mundo nem deve arcar com este ônus, mas pode
ser um instrumento vital para a propagação de uma nova visão e concepção de
mundo e sociedade. Uma percepção formativa que note os extremismos, as seduções
ideológicas de consumo e de modus de
organização social e de radicalismos travestidos de defesa das causas sociais e
econômicas que transitam de ambos os lados nos quais hoje a sociedade civil se
dividiu.
Paulo Freire nunca abriu mão da aquisição do conhecimento
como fundamento da escola, como muitos críticos alimentam. Basta ler Educação e
Política e conferir num de seus textos a autodefesa do educador. No entanto,
ela não deveria nortear, sem a formação crítica, criativa e proativa de uma
criança e um adolescente que seria o construtor das novas relações sociais num
futuro que Freire julgava estar sempre em aberto. Para ele, o futuro estava por
se construir, é e continuará sendo dinâmico e historicamente a ser preenchido
pelas ações dos que vêm (e veem).
Freire também nunca defendeu a língua inculta, apenas pregava
o respeito pelas diferenças culturais, além de considerar o aprendizado da
língua culta como defesa legítima diante da ditadura dos considerados
superiores por uma suposta hierarquia cultural que discriminava. É flagrante o
desconhecimento da essência e das nuances da filosofia de Paulo Freire presente
na língua afiada e ignorante de seus críticos.
Quanto tempo desperdiçado! E hoje temos as gerações que
formam nosso tempo desprovidas da criticidade tão fundamental para compreender
o mundo complexo de uma nova era recheada de realidades que se entrelaçam e
exigem um entendimento multiperceptivo. E temos, no entanto, multifacções
presas a conceitos ideológicos que não dialogam, não procuram nem aceitam soluções
que não estejam acorrentadas a suas pré-condições, pré-conceitos e
pré-estruturas.
Caro Freire, as pessoas não estão muito dispostas a aprender
com o outro, só têm ouvidos para si mesmas e para suas intransponíveis
filosofias e restritas visões de mundo. Querem mudar o mundo sem lembrar que
são as pessoas que mudam o mundo e, portanto, são as pessoas que devem ser educadas
para serem transformadoras. Ninguém mais quer olhar para o mundo e
compreendê-lo desprovido de suas convicções, o mundo é que precisa se acomodar
ao seu modo tacanho de enxergá-lo. Ou ele serve para mim, ou não serve!
Volta, Freire! Traz um pouco de luz e autonomia a teu país
tão oprimido pela estupidez e pela ignorância!
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